Apontada por pesquisadores e pacientes como tratamento alternativo para o câncer, a fosfoetanolamina sintética se tornou uma espera angustiante para os catarinenses que têm a doença. O Instituto de Química de São Carlos, ligado à Universidade de São Paulo (USP), que distribui a substância gratuitamente a pessoas que receberam liminares do Supremo Tribunal de Justiça, não consegue mais dar conta de produzir as cápsulas e entregar dentro do prazo estipulado pela Justiça. Mesmo quem já fez o tratamento e aguarda a segunda remessa da substância está precisando aguardar a universidade enviá-la pelos Correios.
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Para a aposentada Marta Alicia Gutierrez, moradora de Balneário Camboriú, a espera virou tortura. O pedido de liminar foi feito no dia 14 de setembro e três dias depois foi deferido. Desde então, nenhum sinal das cápsulas. Marta tem câncer nos ossos há cinco anos e desistiu de recomeçar a quimioterapia pela quarta vez. Depois de ouvir relatos de quem usou a fosfoetanolamina, decidiu confiar na substância e sabe que precisa esperar:
– Estou angustiada porque sinto muita dor. Percebi que a quimioterapia estava me destruindo e resolvi parar. Agora estou nessa situação. A USP deveria disponibilizar logo. Tem muita gente esperando. É um absurdo ter que passar por isso.
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Marlene Nunes dos Santos vive a mesma angústia há quase um mês em Indaial. O irmão dela, o eletricista Waldir Nunes, 57 anos, descobriu um câncer no estômago e pulmões há quatro meses. Fez uma bateria de exames e passou por cinco médicos do SUS. Nenhum deles indicou ainda um caminho para tratar a doença. Para lutar contra o tempo, Marlene encontrou esperança em tratamentos alternativos. A fosfoetanolamina foi um deles. A liminar foi deferida no dia 2 de outubro e as cápsulas ainda não chegaram:
– Estamos correndo contra o tempo, mas nada acontece. A fosfoetanolamina deveria ser distribuída gratuitamente a quem precisa. É muito triste ver que não tenho o que fazer pelo meu irmão senão esperar. A doença está se espalhando e ele passa de médico em médico.
Substância não é recomendada por médicos e pela Anvisa
Desenvolvida na década de 1990 pelo químico Gilberto Orivaldo Chierice, então professor do Instituto de Química de São Carlos, a fosfoetanolamina foi sintetizada e é distribuída gratuitamente aos pacientes pela universidade há 20 anos. Desde o ano passado, porém, só é possível conseguir a substância mediante pedido judicial, devido a uma alteração da portaria número 1389/2014, que regula a distribuição de qualquer tipo de medicamento.
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Nem a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nem a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica recomendam que pacientes façam uso de uma substância que ainda não foi testada em humanos e, por isso, não tem malefícios e benefícios comprovados. Em 1996, a USP chegou a ter um convênio de cooperação científica com o hospital Fundação Dr. Amaral de Carvalho, de Jaú (SP), para fazer testes em humanos com novas moléculas para disfunções celulares, mas não houve controle médico.
Segundo a agência, até uma substância chegar às farmácias é necessário que o laboratório produtor apresente o pedido de registro do medicamento, que é submetido a um estudo para avaliar aspectos de qualidade do produto. O desenvolvimento clínico da droga passa por três fases: comprovação da segurança do uso em humanos, avaliação da resposta da substância para saber qual posologia ideal e análise da eficácia do produto experimental.
Os elementos técnico-científicos usados no experimento são protegidos por duas patentes no Instituto Nacional da Propriedade Industrial e estão no nome do professor aposentado Gilberto Orivaldo Chierice e da equipe. Para um laboratório produzir, os pesquisadores teriam que ceder o direito da patente.
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Mais de mil ações judiciais em uma semana
Mais de mil ações judiciais chegaram à Vara da Fazenda Pública de São Carlos em uma semana no mês de outubro. Apesar de as liminares serem deferidas rapidamente, em cerca de dois ou três dias, a assessoria da vara diz que a USP não consegue dar conta de produzir as cápsulas dentro do prazo estipulado pela juíza Gabriela Müller Carioba Attanasio – que é de cerca de 15 dias. Assim que a liminar é expedida, o instituto é notificado por um oficial de justiça e encaminha a substância no endereço do paciente.
A produção semanal é de 12 mil cápsulas e não há estrutura física para produzir mais no laboratório. Outro fator que agrava a situação é a quantidade de fosfoetanolamina que é enviada pela universidade. Segundo o advogado de Blumenau Rubens Garcia entre junho e julho, os clientes recebiam 180 cápsulas, depois começaram a receber 120 e as novas liminares concedem apenas 60. Como a ingestão é de uma cápsula por dia, a remessa que antes durava meio ano atualmente atende cada paciente por apenas dois meses. Até agora seis clientes de Rubens não receberam no prazo:
– Advogados já estão começando a cobrar multa porque está passando o prazo que a Justiça dá para a USP. Estamos de mãos atadas e as pessoas estão sendo penalizadas por isso.
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