Em tempos de rebelião na Ucrânia, grupos reunidos em praças centrais com bandeiras e cartazes são algo corriqueiro.

Continua depois da publicidade

Em Donetsk, cidade industrial do leste do país, a diferença está na cor das bandeiras e no propósito da manifestação.

Por volta da 1h desta sexta-feira (20h de quinta-feira no horário de Brasília), sob uma temperatura de 0°C, cerca de duas dezenas de pessoas cercavam uma gigantesca estátua de Vladimir Lenin, líder da Revolução de Outubro na Rússia e símbolo da era soviética. Seu objetivo não era derrubar o monumento, como vem ocorrendo em outras regiões da Ucrânia. Abrigados em tendas ornadas com bandeiras da antiga União Soviética e da Rússia, os manifestantes afirmavam estar ali para proteger a imagem do chefe bolchevique. Donetsk está situada naquela parte da Ucrânia em que Lenin não foi apeado do pedestal.

O balanço do dia:

> Obama liga para Putin e defende saída diplomática para a crise

Continua depois da publicidade

> Parlamento da Crimeia marca referendo sobre autonomia

> Obama diz que referendo na Crimeia é ilegal

> Ministério da Saúde ucraniano estima em cem os mortos entre 18 e 20 de fevereiro

> União Europeia impõe represálias à Rússia

O grupo reunido na Praça Lenin ocupou o centro do noticiário na Ucrânia nas últimas semanas ao protagonizar manifestações de sinal inverso às de Kiev, Lviv e outras cidades. Enquanto os ativistas de Maidan enfrentavam o governo do presidente Viktor Yanukovich, deposto no dia 22 de fevereiro, e pregavam a aproximação com a União Europeia, os manifestantes de Donetsk estão mais próximos de Moscou do que de Bruxelas.

– Não apoiamos a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a União Europeia. Apoiamos a Rússia – afirma Oleg Litvinovich, ex-policial ucraniano e fã do futebol brasileiro.

O estopim para a rebelião em Donestk foi a prisão, na quinta-feira, do prefeito Pavel Gubarev, que havia sido eleito no dia 26 de fevereiro. Gubarev, de apenas 30 anos, é reconhecido como líder pró-Rússia da região. Em protesto contra a prisão, simpatizantes do prefeito ocuparam a sede do governo municipal, enfrentando integrantes da torcida Ultras, ligada ao Shakhtar Donetsk, time local de futebol. Para a manhã desta sexta-feira, o grupo prevê novas manifestações em frente à prefeitura. Pela madrugada, o monumental prédio público permanecia cercado pela polícia.

Reduto de Yanukovich é o “lado B” de Maidan

Se Maidan, a praça central de Kiev, é a face mais visível da Ucrânia atual, a Praça Lenin de Donetsk é o lado B. À primeira vista, a dualidade Maidan-Lenin é de natureza política e até ideológica. Existem, porém, outros componentes nesse conflito. Yanukovich, o presidente deposto que se encontra hoje asilado na Rússia, começou sua carreira política nos anos 1980 na região de Donetsk, na então Ucrânia soviética. Em 1997, em plena perestroika (a grande política de reforma da União Soviética posta em prática pelo líder Mikhail Gorbachev), Yanukovich assumiu pela primeira vez o governo da região. Foi o início de uma trajetória que o levaria por duas vezes à presidência, marcada por suspeitas de corrupção e de enriquecimento ilícito.

Continua depois da publicidade

Reunidos ao redor da gigantesca estátua do velho revolucionário russo, os manifestantes de Donetsk manifestam nostalgia de tempos mais recentes. Para Litvinovich, a Ucrânia viveu um período de prosperidade durante os governos de Yanukovich. Como ex-policial, ele lembra dos Berkut (integrantes de forças especiais de segurança), que estiveram na linha de frente da repressão ao movimento de Maidan e são odiados pelos adversários de Yanukovich.

– Neste momento, há Berkut hospitalizados sem acesso a uma assistência médica adequada – afirma.

Na Praça Lenin, o clima é pacífico. Alguns dos presentes procuram justificar a ocupação da prefeitura utilizando argumento similar ao dos oposicionistas de Maidan: segundo eles, o prefeito preso foi eleito democraticamente e sofreu um processo arbitrário e ilegal. Os métodos de propaganda do grupo não se limitam às bandeiras e panfletos dos tempos soviéticos: pela internet, distribuem vídeos que supostamente mostrariam como os Berkut teriam sido atingidos por tiros durante o conflito em Kiev.

Do correspondente

> Blog Olhar Global: Babi Yar, palco do massacre de 34 mil judeus

> Intimidação de Putin não comove judeus de Kiev

> Habitantes da Crimeia levam vida normal, mas “com medo no coração”

> Sem fé em partidos de oposição, jovens ucranianos falam sobre o futuro

Conheça, em vídeo, a Praça Maidan, epicentro da revolta ucraniana:

Em fotos, os sinais de luta pela Ucrânia: