Quando eles nasceram, há 19 anos, a era soviética já pertencia ao passado e a Ucrânia desfrutava de meia década de independência. Nos últimos dias, os três estiveram muitas vezes em Maidan em uma variedade de ações voluntárias de apoio aos oposicionistas: executar pequenos trabalhos, levar comida e gravar vídeos.
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Nastya Yabubenko, Dana Savenko e Yaroslav Syzonenko, estudantes de jornalismo da Universidade Nacional de Kiev, não falam com a mesma voz. Mas compõem juntos um retrato de parte da juventude ucraniana que teve seu amadurecimento acelerado pela trepidante crise política dos últimos quatro meses. Não são militantes nem pertencem a partidos políticos. Numa conversa de quase 50 minutos com Zero Hora, na noite desta terça-feira, entre goles de chá, os três expuseram ideias, temores e desejos para o futuro.
O balanço do dia:
> Rússia aceita participar de reunião da Otan sobre Ucrânia
> Putin afrouxa aperto militar, mas diz que “não há presidente em Kiev”
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> Russa Gazprom anuncia suspensão do desconto no gás concedido à Ucrânia
O primeiro a falar é Yaroslav. Para ele, a situação interna do país e as relações com a Rússia ainda estão indefinidas. Assim como as amigas, o jovem refere-se ao movimento de Maidan como uma revolução.
– O movimento não poderia se deter no momento em que Yanukovich (presidente deposto no dia 22 de fevereiro) foi derrubado. Ninguém poderia prever que a Rússia chegaria a ponto de invadir a Ucrânia, mas esse é um desdobramento lógico – afirma.
Mais falante do trio, Dana considera que a revolução signifique a interrupção da “relação especial” entre Ucrânia e Rússia. Embora aprecie as reações dos Estados Unidos e dos países europeus, ela acredita que não passaram de gestos suaves:
– É assustador imaginar que a Ucrânia esteja sozinha. Houve uma reação light. Se houver sanções (contra a Rússia), será verdadeiramente um presente para nós. A Ucrânia está muito cansada.
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Nenhum dos três acredita que partidos de oposição como Udar (Soco), de Vitali Klitschko, Svoboda (Liberdade), de Oleh Tianibok, e Batkivshchina (Pátria) – todos nacionalistas de direita, alijados durante o governo Yanukovich – tenham condições de representar o país.
– Precisamos de um líder que possa finalizar o longo processo que foi construído na revolução – diz Dana.
O repórter pergunta qual personagem das artes ou da literatura vem à mente de cada um quando pensa na Ucrânia. Dana se adianta:
– Dom Quixote. Por lutar contra os moinhos.
Nastya pergunta se, no exterior, vigora a impressão de que a Ucrânia é um país dividido. Diante da resposta afirmativa, em razão da polarização entre Rússia e União Europeia, comenta:
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– Pode ter sido assim há muitos anos atrás. Mas hoje não existem controvérsias. A Ucrânia está unida. Trata-se de um estereótipo.
Dana arrisca um palpite sobre as razões que teriam levado Putin ao recuo de ontem:
– Os russos estão preocupados com a decisão dos Estados Unidos de não participar da reunião do G-8 em Sochi.
Os jovens têm consciência de que nem todos os de sua geração demonstram a mesma atenção às questões políticas.
– Isso indica que estamos preocupados – diz Yaroslav.
Dana complementa:
– Neste momento específico, muitos jovens estão se interessando pela política. Eles querem conhecer seus inimigos.
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Nastya concorda:
– A mais importante consequência do que está acontecendo em nossas vidas é que as consciências estão mudando.
Uma pergunta incômoda: o que pensam da declaração do presidente russo Vladimir Putin de que o governo ucraniano é composto de “nazistas, nacionalistas e antissemitas”?
– Esse é o mesmo estereótipo de que falávamos antes, de que a Ucrânia é um país dividido. É a mesma forma de pensar. Putin usa o recurso de mostrar os ucranianos como inimigos.
Nenhum dos três é natural de Kiev. Nastya é de Jitomir (norte), Dana, de Lugansk (leste), e Yaroslav, de Zaporojia (sul). Quando retornam para casa, nas férias escolares, encontram os parentes desinformados pelo bombardeio de versões dos canais de TV ucranianos e russos.
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– A maior influência é a da mídia. Nem sempre a TV ucraniana é competente, nem sempre mostra a verdade. O mesmo ocorre com a TV russa.
E qual é a relação dos familiares? A resposta vem de Dana:
– Essa é uma grande questão. Muitos tentam entender o que nós, os jovens, estamos dizendo. Mas outros continuam a acreditar no que dizem as TVs.
O bule de chá está vazio. Os três posam para uma foto, depois outra. Dana agradece pela oportunidade de “pensar em coisas que não tínhamos elaborado”. Em seguida, desaparecem no nevoeiro noturno.
Do correspondente
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