Quatro dias depois do linchamento de Alcebides Candeia, 62 anos, em Navegantes, o filho mais velho da vítima, Eliseu Candeia, 24 anos, conversou com o Sol Diário. O jovem conta que precisou de escolta policial para retirar os pertences do pai da casa onde vivia, há seis anos, no bairro São Paulo, e ainda com medo preferiu não ser fotografado.

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O homem foi assassinado a pauladas e pedradas por cerca de 20 pessoas na última quinta-feira, segundo apurou a polícia até o momento. O motivo para o crime brutal teria sido a suspeita de pedofilia – que até o momento não foi confirmada.

Além de Eliseu, a vítima deixou outros dois filhos: Ezequias Candeia, 18, e Edenilson Elias Candeia, 20. Os dois acompanharam a entrevista e, assim como o irmão mais velho, não acreditam na versão dos moradores e garantem que o pai é inocente. Emocionados, pediram por justiça e a punição dos responsáveis.

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Como vocês estão se sentindo?

A gente está muito abalado, pela gravidade dos fatos e pela barbaridade que foi feita. A gente sabia alguma coisa sobre o bairro São Paulo, que não era bom, mas não que era tão terrível. A gente está muito chocado com tudo que aconteceu, pela situação em que eu encontrei o corpo do meu pai. Ele foi sepultado sábado de manhã em Coronel Freitas, onde viveu durante toda vida.

O que você encontrou o onde seu pai morreu?

Uma cena de terror, de guerra. Tudo muito bagunçado, revirado, roupas pelo chão. Reviraram toda a casa. Eu requisitei escolta policial por orientação da Polícia Militar, porque ainda havia aglomeração de pessoas. Fui até lá para buscar documentos.

Como era a sua relação com ele?

Nós tínhamos uma relação muito próxima, tanto eu quanto meu irmão mais novo. Fazia 20 dias que tinha vindo visitar ele e outros cinco dias que ele tinha ligado para meu irmão. Conversávamos semanalmente. Ele veio pra cá há 12 anos porque a nossa cidade era ruim de emprego, veio tentar melhorar a qualidade de vida e acontece isso. Eu não entendo. Quando vim visitá-lo, ele estava tranquilo, não comentou nada, foi uma surpresa.

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Como ele era?

Pra gente, um ótimo pai, sempre foi. Lá na cidade onde ele viveu a vida toda houve uma grande indignação. A gente não acredita nisso (na pedofilia). Em hipótese alguma a gente vai acreditar no que os moradores dali quiseram colocar como uma desculpa para fazer o que fizeram. Vou fazer o que for preciso para limpar a memória dele. Isso atingiu diretamente a nossa família. Há seis anos morando nesse mesmo lugar nunca teve um boletim, nunca teve uma denúncia, nunca ninguém falou nada. Agora na hora que ele resolve ir embora acontece uma coisa dessas.

Por que ele queria ir embora?

Eu ia buscar ele sexta-feira. Iria se aposentar em janeiro e morar conosco. Sempre avisei que esse bairro era perigoso, sempre tentamos levar ele dali, daí nos pediu alguns dias para acertar contas. Eu acho que foi outra coisa que levou ao motivo disso. Se tivesse alguma prova contra ele eu não estaria aqui falando. Eles criaram um boato para justificar o crime que fizeram, mas nada justifica o que fizeram.

Por que você acha que fizeram isso com ele?

Essa é a única pergunta que a eu não consigo responder. Ele sempre foi um homem bom, um homem evangélico, sempre foi a igreja, sempre foi fiel, sempre escutou músicas evangélicas. Então não consigo entender porque as pessoas teriam um motivo para fazer a atrocidade que fizeram com ele.

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Vocês tinham conhecimento sobre essa acusação de pedofilia feita pelos moradores? Sabiam sobre as cartas encontradas na casa dele?

Nunca fiquei sabendo de nada. Estive na delegacia hoje (segunda-feira), conversei direto com o delegado e o escrivão. Eles me mostraram essa documentação, mas lá não tem nada que prove que ele fez. Como disse o delegado, são coisas superficiais, não tem como provar que realmente foi uma criança que escreveu. Se isso estava acontecendo, por que não há vítimas? Eu estive conversando com o delegado sobre essas informações e ele mesmo falou que é uma hipótese descartada.

O que mais a polícia te falou sobre o caso?

Eles têm poucas informações. Estive conversando com eles e estavam intimando algumas pessoas e vão começar essa semana já a ouvir depoimentos. Ele me garantiu que no máximo quarta-feira quer terminar de ouvir as pessoas para chegar a um possível autor do que fizeram.

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Você acredita que seu pai era inocente?

Eu tenho certeza absoluta que ele é inocente.

O que a família espera a partir de agora?

Espero que pelo menos a justiça seja feita, que alguém pague pelo que fez. Para dar tranquilidade pra gente. Foi um ato sem explicação e tem que ser feita a justiça. Espero que a polícia consiga – por mais que esteja difícil, pois ninguém fala, ninguém se pronuncia – ter êxito na investigação.