Conversas telefônicas interceptadas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) durante as investigações da Operação Dupla Face, às quais a reportagem teve acesso, revelam um esquema de exigência de vantagens que tinha como pivô o então secretário de Orçamento, Planejamento e Gestão em Itajaí, Douglas Cristino da Silva, preso preventivamente desde 24 de agosto.
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As ligações, gravadas entre junho e julho, revelam que além de solicitar vantagens em troca da agilização de pagamentos a empresas que prestavam serviços ao município, ele também interferia em outras secretarias.
Douglas chega, por exemplo, a pedir ao ex-secretário de Obras, Tarcísio Zanelato, para asfaltar trecho particular em frente a uma empresa.
Prazo prorrogado
As supostas irregularidades ligadas à Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão são apenas um dos alvos da investigação. A julgar pelos agentes públicos presos e afastados pelo Gaeco – além de Douglas, o ex-procurador Rogério Ribas e o vereador Afonso Arruda (PMDB) continuam detidos -, diversas secretarias teriam registro de esquemas irregulares.
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Nesta semana o delegado Daniel Garcia pediu para a Justiça estender o prazo de conclusão do inquérito em mais 15 dias, dada a complexidade dos fatos investigados. Até agora mais de cem pessoas foram ouvidas, e novos fatos foram descobertos desde a prisão dos investigados.
AS SUSPEITAS:
1. Cobrança de propina
O então secretário de Planejamento, Orçamento e Gestão, Douglas Cristino da Silva, teria cobrado propina da empresa Pacopedra para agilizar os pagamentos pela obra do binário do São Vicente, segundo levantamento do Gaeco. As conversas gravadas revelam que enquanto prometia a liberação imediata dos valores a Mario Jorge de Souza, proprietário da empresa, Douglas tratava com o assessor Edson Mauricio Dognini para que pressionasse a Secretaria da Fazenda na tentativa de liberar o dinheiro o mais rápido possível.
O pagamento foi efetuado dia 26 de junho. Três dias depois Douglas e Mario se encontraram em Itajaí para, de acordo com o inquérito, acertarem a propina – que Douglas chama de “convite para a festa da igreja”. O encontro entre os dois ocorreu em um posto de combustíveis localizado na Avenida Estefano José Vanolli, no São Vicente, e foi registrado pelo Gaeco.
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2. Pago a uma, executado por outra
As interceptações telefônicas feitas pelo Gaeco revelaram que a obra do Caminho de Cabeçudas, que deveria ser tocada pela empresa RBI Construções Ltda, vencedora da licitação, está sendo feita pela Construtora Natinho Ltda. – que ficou em segundo lugar na concorrência. Embora o nome da RBI conste no contrato divulgado no Portal da Transparência, quem assinou o acordo para início da obra foi o empresário José Carlos, proprietário da Natinho. E é com ele que Douglas Cristino teria conversado em 9 de julho. Segundo o Gaeco, o diálogo revela que o então secretário estaria cobrando propina do empresário. Douglas diz a José Carlos que teria encaminhado documentos ao ex-secretário da Fazenda, Marcos Andrade, e completa pedindo uma “ajuda” o que chama de “o negócio do lote”. A resposta do empresário é reveladora: “Aquilo que eu te falei, eu vou cumprir”.
Foto: Marcos Porto / Agência RBS – Obra Caminhos de Cabeçudas
3. Indenização indevida
Durante o tempo em que o telefone celular de Douglas Cristino foi monitorado pelo Gaeco, vieram à tona por mais de uma vez conversas sobre pagamento de indenização da prefeitura de Itajaí à construtora Itaipu Empreendimentos, responsável por obra pública no Loteamento Santa Regina, que teria tido prejuízo em razão de uma terraplanagem contratada pelo município e executada pela construtora Balt.
O processo se arrastava. Até que, em julho, a indenização de R$ 265 mil (valor pedido pela empresa) foi paga na íntegra – desconsiderando o fato de que o parecer técnico da prefeitura solicitava que fosse feita perícia no local para avaliar a necessidade da indenização. Neste caso, as conversas se dão principalmente entre Douglas e Sadi Pires, então secretário de Habitação. Depois de um encontro entre os dois em um posto da Avenida Contorno Sul, dia 9 de julho, Douglas pede que seu assessor encaminhe o pedido de indenização à Secretaria da Fazenda para que o pagamento fosse executado no dia seguinte.
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Em meio à conversa, pede para dizer a uma servidora que vinha cuidando do caso que “não tem como voltar atrás”. Mais tarde, em diálogo com o então secretário da Fazenda, Marcos Andrade, é alertado sobre a necessidade de submeter a decisão ao Conselho de Habitação. Segundo o inquérito do Gaeco, “em função da urgência imposta por Douglas e Sadi”, tal exigência legal foi dispensada.
4. Preocupação com o Gaeco
No dia 14 de julho, quando foi deflagrada a Operação Parada Obrigatória 2, que levou à prisão quatro pessoas, entre elas o vereador Zé Ferreira (PP) – que continua preso – Douglas liga para seu assessor e pede que ele retire todos os documentos que estavam em sua gaveta e os passe para cima da mesa “pra não ter B.O., pra não ter problema”. Questionado sobre a necessidade de retirar os papéis do gabinete pelo assessor, Douglas responde que: “não tem nada que comprometa, mais…”.
5. Público x privado
Em 22 de julho, após um encontro com um representante de uma loja de materiais de construção, Douglas Cristino teria pedido a seu assessor que telefonasse para o exsecretário de Obras, Tarcisio Zanelato, e pedisse que uma área particular em frente à loja, na Avenida Reinaldo Schmithausen, fosse asfaltada. Na época a via passava por obras de pavimentação, parte do projeto de revitalização da avenida.
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Zanelato teria negado, dizendo “eu tenho que me cuidar”. Com a resposta negativa dele, Edson telefona para outro representante da empresa. Diz que Tarcisio se negou a executar o serviço pois “tá com medo, porque tá sendo investigado”. O empresário teria se oferecido, então, para pagar pelo trabalho. Segundo o Gaeco, o asfaltamento foi feito no mesmo dia.
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CONTRAPONTOS:
– Douglas Cristino
Em relação à suposta cobrança de propina à Pacopedra, o advogado de Douglas, Fernando Fernandez, diz que o diretor da empresa procurou o vereador para repassar uma doação à uma igreja. “Isso tudo meu cliente já explicou em depoimento”, afirma. Sobre as obras no Caminho de Cabeçudas, o advogado diz que a única coisa que Douglas fez foi cobrar a prefeitura para que o serviço fosse pago com rapidez porque, segundo Fernandez, “o prefeito quer que a obra esteja pronta antes da temporada. Dentro da atividade administrativa, é permitido querer que as coisas sejam feitas com rapidez”.
Em relação ao asfaltamento para uma loja de materiais de construção, o advogado diz que não há asfalto no pátio da loja e, sobre a Itaipu Empreendimentos, o advogado diz que Douglas tem conhecimento apenas de que foi licitada a realização de um laudo. Fernandez critica ainda o vazamento de páginas do inquérito e afirma que o MP não tem como justificar a manutenção da prisão.
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– Pacopedra, Itaipu Empreendimentos, RBI Construções, Construtora Natinho
Representantes das quatro empresas não foram localizados pela reportagem.
– Prefeitura de Itajaí
O município não irá se manifestar ainda sobre a investigação e está colaborando com a Justiça. O Executivo ainda não instaurou sindicância porque não recebeu todo o inquérito. Em relação às obras do caminho de Cabeçudas, a prefeitura afirma que não há nenhuma ilegalidade na terceirização dos trabalhos.