Era sábado, 16 de fevereiro de 2008, Luiz Henrique da Silveira (PMDB) vivia seus piores momentos à frente do governo de Santa Catarina. Dois dias antes, o Tribunal Superior Eleitoral começara a julgar a ação movida pelo PP por abuso de poder econômico e dos meios de comunicação durante a campanha de 2006, quando se reelegeu em disputa contra o rival Esperidião Amin (PP). Dos sete ministros, três votaram pela cassação até o momento em que o julgamento foi suspenso por um pedido de vista. O almoço estava servido na Casa da Agrônomica, mas ninguém tocava na comida. Na mesa, Luiz Henrique, a mulher, Ivete, e os secretários Antonio Gavazzoni e Alexandre Fernandes. O absoluto silêncio foi quebrado por um rompante do governador.

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– Meus mandatos sempre foram dados pelo voto, não será um golpe político que me privará de exercê-los. Antes que me cassem eu pratico o haraquiri político. Eu mesmo rasgo meu ventre, renuncio e saio da política – disse Luiz Henrique.

Mais alguns instantes de silêncio, interrompido desta vez por Ivete.

– Que é isso, Luiz? Depois de tantas lutas lutadas e vencidas, você se entregar facilmente será a pior das derrotas – afirmou.

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O episódio resume algumas facetas do senador catarinense morto há uma semana e homenageado com toda a pompa merecida por aquele que pode ser considerado o principal nome da política catarinense contemporânea. Na hora boa e na hora ruim, contava com a força da mulher. E, em qualquer momento, não aceitava que seu futuro fosse definido por terceiros.

Foi assim que construiu uma trajetoria política como deputado estadual, deputado federal, prefeito de Joinville três vezes, governador por outras duas e senador – mandato que acabou privado de completar por um ataque cardíaco.

Em suas gestões à frente do Estado, imprimiu um estilo único. Sabia delegar funções com a mesma facilidade com que cobrava resultados. Quem se acostumava ao estilo e correspondia às expectativas, guarda boas lembranças. Não cumprir as tarefas ou tentar enrolar o chefe se transformavam em broncas que se tornaram famosas nos corredores do Centro Administrativo – e que poderiam resultar em um aparelho celular, o que estivesse mais à mão, espatifado na parede. Até os afagos carregavam peso político. Era comum ele dizer a algum secretário ou gestor, especialmente nas primeira conversas, que o sucesso do governo dependia de alguma ação específica do subordinado.

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– Ele fazia as pessoas se sentirem importantes, mas dava um peso para elas carregarem – lembra Gavazzoni, que pilotou as pastas de Administração e Fazenda nos anos LHS.

Se na gestão Luiz Henrique delegava e cobrava, na política ele preferia cuidar pessoalmente de cada detalhe. A construção da tríplice aliança – a coalizão do PMDB com PSDB e PFL, depois substituído pelo PSD – foi arquitetada pacientemente durante o primeiro mandato. Eleito em 2002 com o apoio do PT, Luiz Henrique tentou manter o acordo viabilizando a eleição de Volnei Morastoni (PT) para a presidência da Assembleia Legislativa. Com a resistência dos petistas, que preferiram manter independência, o peemedebista não titubeou em buscar os pefelistas, até então rivais históricos.

– Ele conquistou a confiança do Jorge Bornhausen fazendo um “cerca lavoura” nos prefeitos do PFL. João Rodrigues (Chapecó), João Paulo Kleinübing (Blumenau), Milton Hobus (Rio do Sul), etc. Deu demonstrações concretas – lembra Derly de Anunciação, secretário de Comunicação nos dois mandatos.

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O pragmatismo deu resultados concretos, com uma coalizão que ainda não conheceu derrota nas urnas desde que foi formada – garantindo a reeleição de LHS e as duas vitórias de Raimundo Colombo (PSD) ao governo. Mas também gerou problemas. Colaboradores próximos admitem que a manutenção do equilíbrio político fazia com que o peemedebista fosse condescendente com aliados de mau desempenho administrativo, mas úteis politicamente.

A unidade da coalizão governista tomava boa parte da energia de Luiz Henrique, especialmente depois que deixou o governo. Isso podia significar uma viagem de carro de Joinville até Urubici para convencer um vereador a votar pela manutenção da aliança com Colombo na pré-convenção do partido ou a arbitragem de disputas internas entre aliados, como o recente estremecimento das relações entre o governador e seu vice, Eduardo Pinho Moreira (PMDB).

A obra mais visível dessa composição política é o projeto de descentralização administrativa, uma obsessão de Luiz Henrique. A criação de 27 – depois ampliadas para 36 – secretarias regionais gerou polêmica e acusações de politização da gestão. O peemedebista sempre defendeu o modelo que permitiria ao governo se fazer presente em todos os cantos do Estado. Foi o primeiro embate não-eleitoral com os adversário do PP. Isolados na Assembleia, os pepistas faziam barulho para compensar a falta de votos em plenário. Luiz Henrique provocava dizendo que a sigla PP significava “Partido Pequeno”.

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Os combates em plenário e nas urnas, incendiaram ainda mais a rivalidade histórica entre peemedebistas e pepistas a ponto de a disputa chegar aos tribunais, em ações movidas contra Luiz Henrique por suposto uso da máquina nas eleições – a principal delas foi a que quase lhe custou o mandato em 2008. No final das contas, dona Ivete estava certa. Uma falha processual fez o processo reiniciar para que o vice-governador Leonel Pavan (PSDB) fosse chamado a se defender. Pouco mais de um ano depois, uma corte renovada do TSE absolveria o governador por 6 votos a 1 -garantindo a continuidade de um projeto político que perdura até hoje, embora sejam permanentes as dúvidas sobre a sobrevivência da aliança entre pessedistas e peemedebistas sem as intervenções contínuas de seu criador.

Insubstituível como articulador, Luiz Henrique também não deixa herdeiro político. A quem atribua essa característica ao estilo do peemedebista, há quem defenda que faltou sorte.

– Ele apostou em muitas pessoas. Alguns, por incompetência, desperdiçaram essa aposta. Ele não tem sucessor, mas não é porque não tenha tentado – diz um aliado.

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