Estou na mais famosa das ilhas da Indonésia (são milhares, mais de 17 mil espalhadas por esta república localizada entre o sudeste asiático e a Austrália e considerado o maior arquipélago do mundo). Bali é o principal destino turístico do país e que até então eu conhecia apenas de relatos dos amigos surfistas – estes vêm para cá aos montes em busca das suas sempre sonhadas ondas perfeitas e de alguns empresários que abastecem os estoques de suas lojas com os lindos e diversificados produtos locais, frutos de uma cultura que valoriza o artesanato como forma de estar em contato com o divino (aliás, Bali deriva de Wali, que em sânscrito significa adoração, culto ou oferenda) para revender no Brasil – e da leitura de textos do antropólogo Clifford Geertz, que me inspirou alguns anos atrás durante minha pesquisa de mestrado, mas que relatava entre outras análises sua experiência de interpretação da cultura dos nativos no começo do século 20, especialmente em relação às brigas de galo, comuns nesta civilização.
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Assim, minha ideia de Bali nunca saiu do campo da fantasia e da suposição e, agora que estou aqui, reforço para mim a importância de se conhecer um outro local com as próprias pernas, cabeça e coração. O navegador Amyr Klink, no livro Cem Dias entre o Céu e o Mar, afirma que todos nós precisamos viajar por conta própria, além das histórias, livros ou imagens de TV, porque viajar para lugares que não conhecemos ajuda a quebrar essa “arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos e não simplesmente como é ou pode ser”. Penso igual, a diversidade de culturas, clima e geografia só somam com a ideia de mundo e do que é realmente essencial. Viajar é preciso.
Portanto, entre muitas diferenças visíveis no primeiro contato com o balinês, duas me impressionaram muito e é sobre elas que resolvo escrever agora. A primeira é a capacidade de sorrir sem esperar algo em troca. O sorriso do local é de uma simpatia quase desconcertante porque é fácil, aberto e geralmente vem acompanhado de um cumprimento cordial. O balinês é do tipo que oferece um bom dia, boa tarde ou boa noite para quem passa, independentemente de conhecer ou não a pessoa. E quando não fala inglês, solta um animado e sonoro: “Reloooou!”. Velhos, adultos e crianças agem da mesma forma nessa ação que mescla simplicidade e felicidade e que obviamente contagia o turista comum, como eu. Inevitável me perguntar: o que foi que perdemos que nos deixou tão amargos e distantes da nossa essência a ponto de não de cumprimentarmos quem passa ao lado e, pior, de ignorarmos e até mesmo desprezarmos nossos semelhantes?
Outra diferença gritante que percebo na minha estadia por aqui é a forma como agem no trânsito. A primeira impressão é de puro caos, abarrotado de motos, engarrafado, sem preferenciais, faixas de segurança e totalmente imóvel. Calçadas e ciclovias inexistentes na maior parte das vilas e com ruas muito estreitas, daquelas que nós ocidentais não admitiríamos passar com um carro, mas que são de mão dupla. Confuso é pouco para definir, mas quando os olhos estrangeiros cansam, a humildade para perceber o distinto faz com que seja possível compreender que ele aqui flui, sim, e muito bem. Primeiro porque a velocidade em geral é baixa e principalmente porque há respeito com o próximo. Ninguém, pelo menos entre os nativos, xinga, esbraveja ou ataca quem por algum motivo cortou a frente, parou onde não devia ou cruzou sem dar sinal. As buzinas são tocadas apenas para avisar, nunca para protestar. É preciso ter paciência, pois o ritmo é assumidamente lento, mas só o fato disso não ser motivo para alguém querer matar o motorista ao lado, como acontece no Brasil, é suficiente para respeitar essa lógica que tinha tudo para ser trágica. O que me faz pensar que brigamos sempre com as pessoas erradas quando estamos no trânsito e que nosso grau de tolerância com o erro ou desatenção alheia é muito baixo. Na verdade, nos estressamos com o sujeito errado que, como eu e você, não é o verdadeiro responsável pela vida desigual que vivemos. Se com a mesma intensidade lutássemos contra aqueles que realmente tornam nossa existência um inferno, ela certamente seria melhor aproveitada, aqui ou em qualquer outro lugar deste planeta incrível.
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