O filme novo de Karim Aïnuz (Madame Satã, o Céu de Sueli) foi o representante brasileiro na competição do Festival de Berlim, em fevereiro deste ano.

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Estreou no Brasil há uma semana, já cheio de polêmicas. Dizem que alguns espectadores saíram logo no início e pediram o dinheiro de volta. Nas redes sociais circulou a curiosa foto de um ingresso que vinha com um carimbo: avisado. É que, como precaução, uma rede de cinemas do Nordeste começou a alertar os clientes sobre as cenas de sexo entre os personagens principais, o guarda-vidas Donato (Wagner Moura) e o turista alemão Konrad (Clemens Schick).

É um tanto quanto ridículo ter que avisar esse tipo de coisa, ainda mais num programa como cinema, em que você normalmente escolhe o que quer ver.

É certo que a divulgação com o Wagner Moura no cartaz, com roupa de guarda-vidas, evoca outro herói, como o macho porrada, mantenedor da ordem, o matador de traficantes de Tropa de Elite. Mas já no começo do filme, o frágil e delicado Donato, vivido pelo ator, se entrega ao turista que acaba de ajudar a salvar.

Com a chance de ir ao cinema apenas uma vez nesta semana, escolhi ver Praia do Futuro numa sessão na última sexta-feira. A sala não estava cheia e todos ficaram até o fim.

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Ouvi uma conversa curiosa no metrô, dias antes. Um garoto comentou que nunca iria ver o filme em que “o Capitão Nascimento caia na viadagem”. O amigo respondeu que um cara como ele (o ator) não deveria fazer filme com “homem se pegando”.

Não tinha intimidade para responder e nem vontade de debater o assunto ali, no transporte público. E não queria discutir as opções sexuais e tudo o que cada um leva reprimido dentro de si. Gostaria apenas de ter falado sobre as opções de Wagner como ator, suas escolhas.

O personagem é um desafio, ainda que longe do maior que ele já teve. E o que torna o papel memorável e grandioso não é a dramaturgia, mas sua história como ator e o fato de ter aceitado o convite de Aïnuz.

Fazer o guarda-vidas Donato é parte da caminhada de quem ganhou o mundo com Tropa de Elite. Ainda mais aqui, no país da novela, onde essa profissão é facilmente conduzida e muitas vezes rotulada/condenada a fazer sempre papéis parecidos.

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Só que ser acomodado não combina com ser artista. Um autor coloca suas inquietações em seu filme e precisa de um ator que esteja à altura de traduzir essas questões, longe de rótulos ou, por que não, preconceitos.

Os filmes de Karim Aïnuz são bem abertos. Várias questões são levantadas, sem que explicações ou desfechos sejam dados de maneira muito clara. E Praia parece uma história pessoal, algo que talvez não possa, nem deva ser explicado com detalhes. Memórias que tocam em feridas. Foi a impressão que chegou até este espectador, que escreve algo também pessoal. A análise cabe aos críticos.

O Segredo de Brokeback Mountain, dirigido por Ang Lee, que trazia machos do Oeste americano trocando beijos apaixonados, é de 2005. Dizem que só não levou o Oscar de Melhor Filme porque a Academia é conservadora demais.

Estamos como os tais “velhinhos da Academia”, quase 10 anos depois.

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Os Drops 7 sobre a história do cinema continuam nas próximas semanas.

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