Foi dispensado do trabalho mais cedo. O chefe declarou apoio às manifestações e naquele dia incentivou advogados, contadores e estagiários a irem às ruas. Uma série de órgãos privados havia feito o mesmo naquele 18 de junho de 2013.

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Ele nem sabia o motivo daquilo. Não que fosse totalmente desinformado. Mas estava desconectado na casa dos avós há um mês, longe dos jornais e da TV. Usou as férias para se recuperar de uma rinite que pedia ar puro.

A estagiária gata e organizadora das baladas do escritório disse que todo mundo ia. Foi o suficiente para se sentir convocado.

Os colegas de terno e gravata foram direto ao boteco, tomaram umas cervejas e se dirigiram ao Largo da Batata, onde começaria o protesto. Alguns falavam de corrupção e política, bradavam indignações sobre a qualidade do transporte público e a carga tributária. Ele perguntava como tudo aquilo havia começado, como conseguiram organizar assim tão de repente e por que diabos o dono do escritório havia liberado a turma toda.

Parecia que a cidade inteira estava ali. Todos com seus celulares, enviando fotos e vídeos, alimentando as redes sociais. Um amigo da época do colégio, agora artista performático, estava lá acompanhado de uma galera mais engajada, que tratou de deixá-lo por dentro de tudo.

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Todas as grandes capitais haviam aderido às passeatas depois da pancadaria na Avenida Paulista, dias antes. Os jornais e as emissoras de TV estavam perdidos: um dia diziam que o movimento era vazio e que a polícia deveria intervir, no outro tratavam de falar do direito à livre manifestação e que a polícia estava agindo com violência. Tentou acompanhar, mas o amigo falava de tanta novidade e com uma rapidez, que era difícil entender.

Ele estava em começo de carreira, formado há um ano e meio numa faculdade federal do Sul, foi parar em São Paulo para trabalhar num grande escritório de direito tributário. Sabia muito bem que neste país não há que se cobrar mais nada, já se paga tudo uma, duas, três, 10 vezes. Se fosse perguntado por que estava ali, falaria da reforma tributária. Encontrado o motivo, sentia-se menos vazio, mais militante. E seguiu pela Avenida Faria Lima.

Quase na esquina com a Rebouças, avistou de longe a ex-namorada, com quem tivera um passado complicadíssimo. Tratou de se esconder, mas ela o viu e partiu em sua direção de mãos dadas com um cara. Não sabia para onde correr. O nariz voltava a dar sinais da rinite, ficaria sem ar novamente. Não! Era só se dispersar no meio da multidão. Mas quando se tratava de encontrá-lo, ela parecia ter uma bússola.

Ele teria que ser mais esperto. Como? Precisava agir rápido. Pegou a mochila do amigo, lá devia ter uma peruca, uns óculos, um disfarce. Achou uma saia grande, tecido estampado. Um figurino! Vestiu a saia por cima da calça social e tirou a gravata e a camisa. Percebeu que na mochila não tinha a parte de cima da fantasia. E tudo já havia ficado para trás: sapatos, camisa, gravata. O amigo também. Olhou para os lados e nem sinal da ex. Sentiu-se aliviado, inspirou profundamente e o expirar foi acompanhado de um empurra-empurra, uma gritaria:”Olha a polícia”, “Corre, corre”, “Usa isso na cara”. O cheiro forte de vinagre numa camiseta veio acompanhado da informação de que deveria cobrir o rosto.

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O tempo de pensar em perguntar pra que servia o vinagre foi menor do que o que levou o policial a levantar o cassetete e golpear suas pernas. Fumaça, flashes de câmera, dor nas pernas, tontura, um cartaz colorido, o asfalto.

No dia seguinte, sua foto estampava os principais jornais e circulava pela internet mundo afora. Ele, de saia, apanhando da polícia. O cartaz ao seu lado no chão dizia: “Sexo é amor, sacanagem é o que fazem com o povo”.

Não foi trabalhar. Seu celular não parava de tocar e nem adiantava dizer que era tudo um mal entendido. Um perfil no Facebook, criado em sua homenagem naquela manhã, já tinha 10 mil seguidores.

E era só o começo.

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