Com óculos de nadador escuros, adaptados para não conseguirem enxergar, 36 alunos de um curso de formação continuada da Associação Catarinense para Integração do Cego (Acic) passaram nesta segunda-feira por uma experiência que mudou muito suas percepções de ambiente. Eles trabalham diretamente com pessoas com deficiência visual, seja em aulas como educação física, braile ou orientação, e vivenciaram o dia a dia de uma pessoa cega. Sem ver um palmo pela frente, eles pegaram um ônibus e tentaram se locomover pelo centro de Florianópolis.

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Ir e vir dos deficientes visuais não é tão simples em Florianópolis

O medo dos alunos de esbarrar em algo ou de tropeçar era bastante perceptível. Colocavam as mãos para frente para tatear alguma barreira, andavam devagar, pediam ajuda. Mesmo com bengalas e um condutor ajudando a guiar o caminho, não conseguir ver nada e se orientar somente com sons foi ¿terrível¿, como descreveu a educadora física da Acic, Mara Cordeiro, de 41 anos.

Ela se assustou ao atravessar a Avenida Paulo Fontes, onde esbarrou na grade que margeia a calçada e teve dificuldades de encontrar a faixa de pedestres.

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— O Centro não te dá referências no chão. São muitos tipos de piso, pedras, cimento, que se confundem com o piso tátil. Em alguns lugares, nem sequer tinha o piso específico. Você parece que fica solto na rua, sem saber para onde seguir — avaliou ela, que passou pela experiência pela primeira vez.

Se para quem está com uma venda nos olhos e com um condutor ao lado já é difícil, imagine para uma das cerca de 400 pessoas que moram em Florianópolis, segundo o IBGE, que não conseguem enxergar nada. Este é um dos objetivos do curso realizado pela Acic: sentir as sensações e repassar conhecimento a quem enfrenta estes obstáculos diariamente.

Barreiras e pessoas

A gerente técnica da Acic, Maristela Bianchi, 47, tem baixa visão, mas esta foi a primeira vez que não conseguiu ver nada ao andar no Centro. Por mais que seja um caminho conhecido, muitos empecilhos tornaram o trajeto, desta vez, mais complicado.

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— Na Paulo Fontes, o meio-fio tem o mesmo nível que a calçada. Na região do Camelô não há um piso tátil ideal — observou a gerente.

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Coordenadora pedagógica do setor de profissionalização e trabalhadora da Acic há 22 anos, Elisana Lorenzo, 41, encontrou uma árvore onde o piso tátil a guiou.

— Mas não foi só isso. Tinha lixeiras e placas também. O que noto é que nestes últimos anos, apesar das obrigações por lei, as coisas estão piorando para a locomoção dos cegos — avaliou.

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Zezinho Torquato Fernandes, 44, transcritor de braile de Palhoça, disse que teve dificuldade em se concentrar com o barulho do Centro.

— Não escutei o semáforo sonoro e não sabia quando poderia atravessar a rua. Se não tivesse uma condutora, não conseguiria — contou.

Esta mesma reclamação foi feita por Maurício Aparecido, de 45 anos, que é totalmente cego, em uma outra reportagem da Hora, sobre a dificuldade dos deficientes visuais na região do Ticen. O barulho de ambulantes atrapalha muito a concentração das pessoas que só possuem a audição como guia. Os trabalhadores da região e pedestres precisam ter mais sensibilidade com a causa.

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Teoria e prática bem diferentes

O curso ocorre, geralmente, uma vez por ano, com profissionais novos que chegam à Acic. No curso atual, a formação foi dividida com funcionários da assistência social de Floripa, Palhoça e São José. Quanto mais pessoas tiverem conhecimento de causa, melhor, avalia o professor de orientação e mobilidade da Acic, Igomar Zucchi.

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Durante a capacitação, os alunos viram na teoria quais são as leis da acessibilidade, os direitos do deficiente visual, as normas da ABNT para o piso tátil. E nesta segunda, tudo aquilo que aprenderam, eles sentiram na prática. Durante a tarde, sentaram para debater estas dificuldades.

— A conclusão é de que na prática é bem diferente. O piso tátil é um grande problema. A prefeitura cobra o morador, mas não orienta em como fazer uma calçada ideal. As normas da ABNT são difíceis de serem interpretadas. Não há fiscalização. Então, há muita coisa errada que precisa ser revista — diz o orientador.

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A reforma e construção de uma calçada é de responsabilidade do morador manezinho em Floripa. Para fazer uma estrutura adequada ao deficiente visual, dá para pedir apoio à própria Acic, pelo telefone (48) 3261-4500.