Fui editor de livros durante 10 anos, de 2004 até 2014. No ano passado abandonei a edição e assumi a gestão de programação literária da pequena empresa da qual sou sócio. Sinto saudades de acompanhar todo o processo (que é o que acontece numa editora pequena), onde você se envolve em todas as fases.

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Estudar a obra, sugerir supressões ou melhorias e reformas estruturais, coordenar o trabalho do revisor, do editor gráfico, seguir as normas editoriais brasileiras, cuidar dos trâmites burocráticos, pensar na distribuição, divulgação e numa capa que identifique o livro, mas também seja agradável e comercial. Tudo isso e mais um pouco cabe ao editor de uma pequena casa editorial. Editar livros é um modo de intervir nos debates locais, dar uma temporalidade distinta às obras e de certa forma mediar o conhecimento, ser um agente do conhecimento.

Já em minha nova função, a de montar programações literárias, mexo com outra ponta: formar e estabelecer vínculos com leitores por meio de ações diretas e pontuais. É a curadoria de um evento literário que dá os direcionamentos estéticos, técnicos e éticos, mas sobretudo equaliza o retorno qualitativo e as expectativas do público leitor, dos organizadores, da imprensa e patrocinadores. É outro caminho, muito mais sofrido, com mais egos para driblar. Mas uma grande mania de editor ainda não perdi: a de rabiscar, sugerir cortes, supressões. Meus livros são todos rabiscados, marcados, dilacerados… Sempre anotando, construindo outra obra nas margens da verdadeira obra.

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Edições exclusivas

Um trabalho lento e maravilhoso em Florianópolis: as artistas visuais e professoras Juliana Crispe e Marina Moros (inspiradas pela lendária editora artesanal Noa Noa, do saudoso Cleber Teixeira) tocam o selo Armazém (da Editora Cultura e Barbárie) e criam e produzem cada livro – do projeto gráfico à costura final – como objetos exclusivos, em tiragens limitadíssimas. Dedicada à publicação de artista, traduções e livros-objeto, o selo tem em seu catálogo obras de autores como Pierre Sengés, Robert Desnos e Raymond Roussel. Destaque para a edição de Caos em Poesia do D.H Lawrence, onde o projeto gráfico amplifica as questões da obra. Vale visitar o site armazem.org e babar pelas edições especiais.

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Uma aposta

Vencedor do concurso de Contos Silveira de Souza 2015, com o ótimo Guia Literário para Machos (lançamento no segundo semestre pela EdUFSC), o escritor Caléu Nilson Moraes, de Santa Cecília (cidade de 15 mil habitantes no Oeste catarinense) é uma das vozes mais interessantes surgidas nos últimos anos aqui no Estado. Mestre em Antropologia e doutor em Estudos de Tradução, tem uma prosa cínica e contundente que reflete bem o caos contemporâneo. Tive acesso ao seu recém concluído romance, João da Silva Estrupador (assim mesmo), onde ele dá mais uma amostra da sua argúcia narrativa. Anotem esse nome: vai longe.

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Diário de um leitor

Corpo Sepulcro, de Mike Sullivan: com uma prosa que beira a poesia em vários momentos, Sullivan desdobra e reimplica os últimos dias de um tradutor literário (paralisado por uma doença neurodegenerativa) que encontra na memória seu apego à vida e à culpa. E nesse fluxo de consciência, que reconhece os excessos químicos e sexuais do narrador, a morte da irmã gêmea (afogada, ainda na infância) dá o tom intermitente de uma música fúnubre que cobre o tempo que resta. Um belo romance desmontável sobre a decadência humana.

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Roth Libertado: O Escritor e seus Livros, de Claudia Pierpoint: a autora cria um caminho cronológico, mesclando vida e obra, em busca dos processos criativos de um dos escritores norte- americanos mais populares. Embora o livro me pareça um pouco engessado e burocrático, vale a leitura para conhecer um pouco das angústias desse grande criador. Nesse recorte, algumas coisas me chamaram a atenção, como o desastroso primeiro casamento, seus embates com a crítica e a fase de encantamento de Roth pela Tchecoeslováquia (ainda nas garras da URSS) e sua amizade com Milan Kundera e Ivan Klíma e outros autores tchecos (que inclusive ajudou a divulgar na América). Ele chegou a coordenar uma coleção de escritores da Europa Oriental traduzidos nos EUA e a criar um pequeno fundo monetário para ajudar autores tchecos perseguidos politicamente.