Teatro era muito pouco. Música não seria o suficiente. Artesanato tampouco daria conta de gastar a energia criativa da qual Severo Cruz é feito. Ele então uniu tudo. É ator, dramaturgo, músico, diretor de teatro, artesão, compositor, muso do samba e figura querida em Florianópolis.
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– Estou insistindo na minha maluquice de juntar artes – disse, numa segunda-feira chuvosa.
Bastam cinco minutos de conversa para embarcar na montanha-russa de emoções que foi e continua sendo sua vida. São 68 anos de altos e baixos, dramas pessoais, comédia e romance – da redenção como ator no cinema e no teatro a ter morado dentro de um carro, por dois anos. E Severo mantém a sensibilidade à flor da pele, coisa que só os artistas têm, emociona-se com as próprias memórias e se empolga com novos projetos: a atuação no curta-metragem O Aquário de Antígona, dirigido por Alceu Bett, com estreia prevista ainda no primeiro semestre deste ano, e os espetáculos de samba que tem apresentado na Capital. O próximo será no dia 13, na Casa do SambAqui, no Norte da Ilha.
A arte da emoção – Severo Cruz chora ao reviver as próprias memórias
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Severo nasceu no Morro do Pinto do Santo Cristo, no Rio de Janeiro, e foi entregue como presente para uma família que não entendia essa energia criativa dele e o trancava para que não cantasse. Ele cantava mesmo assim. Começou a estudar música ainda adolescente, mas por ironia do destino acabou profissionalizando-se como ator antes. Sua estreia nos palcos foi em 1966 no Teatro Carlos Gomes, na Praça Tiradentes.
– Era época das vedetes, plumas e paetês. E dos galãs, como eu. Não sei como parei no cinema. Eu fazia figurações e lembro da primeira fala, num filme que tinha Vanderleia no elenco: “Dr. Stênio, telefone para o senhor”, eu dizia – lembra ele.
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O artista não sabe pormenorizar datas ou números. Sabe que atuou em pelo menos 30 produções de cinema, entre curtas, longas e docs.
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PEÇA COM PROSTITUTAS E LADRÕES
Foi no ano de 1983 ou 1984 que Severo Cruz desembarcou em Florianópolis junto com a companhia de teatro carioca Unidade Móvel. Abraçou com tanto amor o projeto de cair na estrada e montar um novo espetáculo que nem se importou de ter perdido o Fusca velho, que deixou estacionado em frente à casa da irmã e nunca mais foi buscar. O objetivo de estruturar o grupo e correr o Brasil não deu certo. Alguns voltaram para casa, e ele acreditou no sonho de seguir a carreira em Santa Catarina.
A arte do desapego – Severo Cruz conta como foi deixar a terra natal para viver de arte em SC
Voltou a fazer artesanato – no Rio, participava da tradicional feira de artes da praça General Osório – e passou a vender na feira da Praça XV de Novembro, no Centro da cidade, e em seguida montou o grupo Severo e Sua Trupe. Observava o vai-e-vem de turistas, acompanhados de guias turísticos que contavam histórias da carochinha sobre a Ilha.
Dessa experiência teve a ideia de montar uma peça na qual botou no palco figuras conhecidas da praça interpretando elas mesmas – uma prostituta como prostituta, um ladrão no papel de ladrão, uma cigana fazendo uma cigana… Deu no que falar.
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A trupe seguiu atuante. Uma das montagens foi O Abajur Lilás, texto de Plínio Marcos, que teve temporada de sucesso na cidade. Ele fala com carinho do monólogo sobre o escritor e crítico de arte Harry Laus (1922-1992), figura importante na cena cultural de Santa Catarina.
A atuação de Severo no cinema catarinense também é marcante. Esteve no elenco de A Antropóloga e Procuradas, de Zeca Pires; Alva Paixão e Roda dos Expostos, de Maria Emílio de Azevedo; Sorria, Você Está Sendo Filmado, de Chico Caprário, e Modernos do Sul, de Kátia Klock, entre outros.
Há um ano e meio vive num hostel na Lagoa da Conceição. Antes morou por quase dois anos dentro de um carro estacionado na Praça Bento Silvério, no mesmo bairro. Comia, banhava-se, lavava roupas na rua. Tinha utensílios roubados, era alvo de chacotas, mas o mais grave era o preconceito e julgamentos. De todos os lados. O acusavam de velho preguiçoso. De drogado.
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– Não sei se conseguiria fazer isso de novo.
A arte da rua – Severo Cruz fala sobre os dois anos vivendo dentro de um carro
Costuma dizer que esses tantos altos e baixos são seu carma. Se valeu a pena? Claro que sim. O carma, na verdade, é sua arte. Seu espírito criativo transcende as questões materiais. Isso não quer dizer que não precise de dinheiro. Mas mesmo se ele não o tiver, com certeza fará mais um novo espetáculo.