Um vídeo publicado pela Polícia Militar nas redes sociais acirrou ainda mais o descontentamento de oficiais da corporação com o Poder Judiciário em relação às solturas de presos envolvidos em crimes graves, no Estado.
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Com mais de 10 mil compartilhamentos até a fim da tarde desta sexta-feira, o vídeo mostra cenas de uma tentativa de latrocínio (quando há roubo seguido de morte) praticada em uma loja de artigos do bairro Forquilhinhas, em São José, na tarde da última terça-feira — Eduardo Lúcio de Mello, filho da dona do negócio, foi baleado no rosto e sobreviveu.
Juiz rebate as críticas e afirma: “Faltou profissionalismo da polícia”
Decisão de soltar presos em São Francisco do Sul é ameaça, diz PM
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A publicação informa que o autor dos disparos tem 19 anos de idade e um histórico de oito registros criminais: violência doméstica, roubo, quatro passagens por tráfico de drogas e duas por posse irregular de arma de fogo.
Mesmo sem mencionar a Justiça, o texto da reprodução afirma que o autor dos disparos havia sido preso pela oitava vez e questiona: “Até quando? Apoie quem te defende”.
A polêmica ganhou força depois que o juiz Renato Guilherme Gomes Cunha determinou, na quarta-feira, a soltura dos dois suspeitos que haviam sido presos em flagrante. O magistrado apontou que não houve perseguição aos envolvidos e que as prisões ocorreram cerca de nove horas após o crime, em localidades distantes do local dos fatos.
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— O lapso temporal entre o crime e sua prisão é demasiado longo e desnatura a situação de flagrante (…) Por não estarem comprovados os indícios de autoria e por não reputar comprovada a situação de flagrância, relaxo a prisão em flagrante dos conduzidos — impôs o magistrado.
No meio policial, não faltaram reações dentro e fora das redes sociais. Comandante da 11ª Região da PM, com sede em São José, o coronel Araújo Gomes se manifestou em sua própria página no Facebook:
— Acabei de saber que os dois ladrões, presos pela Polícia Militar após uma complexa e arriscada operação, foram soltos. Fica a reflexão: será que o problema é mesmo a Polícia Militar? Há policiais de menos ou ladrões demais estão soltos? — disparou.
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O episódio também gerou manifestação do comandante do 4º Batalhão da PM, em Florianópolis, tenente-coronel Marcelo Pontes, no Facebook:
— Informo que já está solto o autor do disparo no roubo de ontem e que aparece no vídeo (…) Uma triste realidade que enfrentamos todos os dias. Tive o prazer e a oportunidade de presenciar o momento da prisão, onde o Cmt do 7º BPM e sua tropa, com seus veículos particulares, muitos em horários de folga, realizaram o trabalho de inteligência desde o início da ocorrência e que acabou culminando com a prisão desse delinquente — declarou Pontes.
Indignados com a libertação dos suspeitos, familiares e amigos de Eduardo fizeram uma manifestação em frente à Paróquia São Francisco de Assis, no bairro Forquilhinhas, nesta sexta-feira. A manifestação teve cartazes com mensagens contra a decisão judicial e um manequim representando a Justiça.
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— A polícia foi exemplar. Fizeram tudo o que era para fazer, tanto que as prisões aconteceram logo em seguida. E aí a Justiça faz uma coisa dessas? — contesta Cristóvão José Soares, 48 anos, tio de Eduardo.
Segundo o tio, Eduardo cuidava da loja no momento do crime. O disparo perfurou a garganta e atingiu parte do maxilar. Ele passou por cirurgia e se recupera em casa dos ferimentos.
“Grito de alerta”, desabafa comandante-geral da PM
Em entrevista ao Diário Catarinense, o comandante-geral da Polícia Militar no Estado, coronel Paulo Henrique Hemm, diz que o vídeo “retrata o grito de alerta” e faz críticas à aplicação da lei.
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Há menos de um mês, o comando-geral divulgou nota após a Justiça autorizar a libertação de 14 presos que cumpriam pena em regime semiaberto em São Francisco do Sul.
Na ocasião, o comandante-geral alertou que a decisão “trará potencial ameaça à segurança da sociedade em geral, especialmente pela possibilidade de reincidência em ações delitivas graves já praticadas pelos presos colocados em regime domiciliar”.
Entrevista: Coronel Paulo Henrique Hemm, comandante-geral da PM/SC

O vídeo foi publicado em espaços da própria PM. O que levou a corporação a divulgá-lo?
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— Essa divulgação (do vídeo) retrata o grito de alerta. As leis não atendem hoje o ciclo de violência que vivemos. Reflete até mesmo um pedido de socorro da comunidade. A crítica que fazemos não é aos entes que compõem o ciclo de persecução criminal. É essa lei nefasta que não nos protege, não protege os policiais, os aplicadores da lei, e muito menos a população. O cidadão que vive às margens da lei não respeita a lei. Marginais só respeitam grades e força superior à dele. O bandido não está respeitando a vida das pessoas. As leis estão sendo ineficazes, o sistema está falido, o marginal não está se recuperando. De dez presos que prendemos, oito são reincidentes. Não existe pena para bandido solto. Procuramos melhorar nossos resultados, mas vemos esvair os nossos esforços quando um marginal que comete um delito contra um cidadão, como é o exemplo desse vídeo, volta ao convívio social no mesmo dia. O modelo não está funcionando, marginal precisa pagar pelo crime que comete. Não existe outro a não ser o cárcere. Se o criminoso condenado a 30 anos efetivamente ficar fechado, quero ver se vai reincidir. O ciclo da impunidade hoje penaliza o cidadão. Ou mudamos a lei ou vamos viver em um mundo sem lei. Não se pode ensinar valores a quem não os possui. O marginal não respeita valores. A sociedade nos cobra respostas e respostas que não podemos dar.
A tropa hoje está desmotivada? Sente que não tem apoio?
— Se coloca no dia a dia: “parece que ninguém está prendendo”. Pelo contrário, nunca trabalhamos tanto. O nosso policial está trabalhando, quer realmente prestar serviço. Se a comunidade acredita em nós, se confia, se passa a nos respeitar, a participar desse processo dando informações… O policial sabe sua missão, ele tem essa vocação. Mas imagina o caso desses policiais, o que eles correram, o que passaram, mesmo de folga. Parece que jogam um balde de água fria em cima. É claro que se desmotiva. Mas por outro lado se chacoalha, cria forças e diz: “eu tenho que continuar”.
O senhor fala em críticas às leis, mas não se pede uma resposta do Judiciário também?
— A resposta tem de ser dada por aqueles que têm algo a produzir e podem dar. Tenho de dar o meu máximo, não adianta fazer somente o serviço preventivo ou repressivo. Todos nós seremos cobrados. Hoje a PM é cobrada, e muito. Pode ter certeza que, da mesma forma que a política é cobrada, a sociedade vai cobrar dos entes que compõem a segurança pública que seja mais eficaz, que trabalhe a favor dela. Falo em nome da PM, mas acredito que o Judiciário, Ministério Público, Polícia Civil, cada um pode interpretar… A lei tem várias interpretações. A sociedade quer uma resposta. A sociedade quer que a lei tenha realmente força como lei. Não adianta ter 50 mil policiais na rua se não houver uma lei eficaz.
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A PM tem buscado o diálogo com o Poder Judiciário?
— Temos buscado com todos, inclusive o subcomandante-geral está agora numa discussão a respeito da audiência de custódia. Ela também exige algo que tem de ser discutido em vários entes para que possa ser melhor para todos. A discussão há, mas se sabe muito bem que cada juiz tem a sua interpretação. Uma mesma lei permite várias interpretações. Temos buscado que o trabalho do nosso policial, lá na ponta, seja reconhecido. Queremos que a comunidade tenha segurança, mas para isso precisamos do aporte de outras entidades para que reconheçam nosso trabalho.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina se manifestou por meio de nota oficial:
“O TJ-SC informa que as decisões judiciais são pautadas a partir da estrita obediência aos ditames constitucionais, garantidores dos direitos fundamentais protetores dos cidadãos, e por assim ser, da própria sociedade. Ademais, como característica do princípio do contraditório, são as decisões judiciais passíveis de revisão, a partir da iniciativa de qualquer legitimado”.
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