Dia desses caiu no meu colo a biografia do fotógrafo Sebastião Salgado. Brasileiro ilustre na cultura do planeta por imagens únicas e majestosas, em princípio da natureza humana e mais recentemente da natureza toda – e isso inclui seres humanos, bichos e elementos, além de lugares. Da Minha Terra à Terra, da jornalista Isabelle Francq, é um sucinto relato escrito por meio da narrativa do próprio fotógrafo que expõe sua história de modo simples, direto e bem próximo do que imaginava: a de um cara humilde e digno, como os refugiados, clandestinos e trabalhadores por ele imortalizados.
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Sebastião Salgado é uma rara e confiável unanimidade. Nem todos sabem quem é, mas todos conhecem sua fotografia ou pelo menos já viram alguma vez na vida, mesmo sem ter noção. Por isso e mais não fiquei espantada com seus depoimentos sem grandes explicações filosóficas, típicos de quem tem o ego controlado e que sabe ser apenas um grão, uma partícula no mundo e, mesmo assim, ainda tenta dar o melhor de si.
Logo no começo da leitura ele avisa: quem não gosta de esperar não pode ser fotógrafo. Mais adiante nega o rótulo de fotojornalista ou repórter, pois a imprensa foi seu suporte, mas não o princípio nem o fim. Para entender uma pessoa que passa anos num mesmo projeto, visita mais de 50 vezes um mesmo local – ou que vive há mais de quatro décadas com a mesma mulher – é preciso mesmo contextualizar.
Da infância do interior de Minas, onde todos trabalhavam na terra e ninguém passava fome, à faculdade de Direito que abandonou para se tornar economista encantado pelas possibilidades da disciplina que na época não visava apenas à questão empresarial, mas à macroeconomia, à economia política, ao orçamento público e a outras importantes abordagens. Em 1964, com o golpe militar, ele e sua esposa que eram militantes de esquerda, são enviados para a França estudar e ajudar a combater a ditadura do exterior. Depois foram impedidos de retornar ao país por conta do regime. De lá, trabalhou em alguns projetos como economista e, graças a eles, conheceu a África. Neste continente reconheceu o Brasil que havia deixado para trás, assim como sua paixão pela fotografia. Não por sorte, mas por esforço, tornou-se um dos mais importantes profissionais do mundo e gênio na arte de capturar imagens em preto e branco com seus muitos cinzas.
Sebastião Salgado não se considera um militante, mas sua formação e trajetória humanitária o tornaram um. Denunciou a fome na África, juntou-se aos Sem Terra no Brasil para retratar a incoerência do abandono do campo e as injustiças decorrentes disso. Revelou o trabalho pesado em locais até então invisíveis, como o dos mineiros em Serra Pelada ou das vítimas de guerras em Êxodos. Em Gênesis, seu último trabalho que durou oito anos para ser concluído (atualmente em exposição em Porto Alegre), o fotógrafo mais uma vez surpreendeu. Fascinado com o poder de renovação da natureza – via recuperação da sua própria fazenda herdada nos anos 1990 e que estava devastada como toda a região do Vale do Rio do Doce -, ele e sua mulher, Lélia, já conseguiram replantar 2 milhões de árvores de mais de 300 espécies e observaram a volta de muitos animais. Graças a essa força formataram um grandioso projeto, que envolveu mais de 30 países. A jornada de expedições a lugares remotos e povos isolados é uma luz sobre a humanidade. Segundo ele mesmo, esse trabalho o fez ter “consciência que de tanto nos afastarmos da natureza nos tornamos animais muito complicados, estrangeiros no planeta, seres estranhos. Mas não se trata de um problema insolúvel e a solução passa pela informação”.
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Para aqueles que chegaram agora e acham que o golpe militar foi bom, que todo comunista é corrupto, maconheiro ou vagabundo e que somos mais importantes do que a natureza que nos cerca, aconselho ler (também) essa pequena biografia de um ser humano gigante.
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