Solidão é lava, cantava Marisa Monte, na letra de Paulinho da Viola. Amargura em minha boca, sorri seus dentes de chumbo, solidão palavra cavada no coração, resignado e mudo no compasso da desilusão.

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Os aplicativos de relacionamentos talvez ajudem a diminuir a mudez e a resignação entre as pessoas mais velhas. Existe até mesmo um app especializado, o Coroa Metade, 135 mil cadastrados ao todo, em Santa Catarina 4,4 mil. A idade mínima para cadastro é 40 anos, a máxima 99. No país há uma usuária de 93, mas apenas outras duas acima de 80.

As diferenças para os aplicativos usados por pessoas mais novas não são tantas quanto se possa pensar. Há menos selfies e claro, mais filhos. As mulheres que esperam relacionamentos duradouros são mais enfáticas sobre isso. O Coroa Metade tem um campo de preenchimento de religião, o que os aplicativos para os mais jovens não costumam ter (em Santa Catarina, apenas 14% dos usuários do aplicativo se dizem sem religião, e 3%, agnósticos ou ateus).

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Em vários outros aspectos, as incursões virtuais de diferentes idades se aproximam. Em ambas, os usuários em smartphone são maioria, o tempo online tende a ser de horas por dia. As usuárias de todas as faixas etárias alertam aos casados e compromissados que não percam tempo. Como resume uma no Coroa Metade, “peço aos homens comprometidos que não me chamem para conversar pois o que não quero para mim não desejo a outras!!!”.

Também se repete a impressão de que os homens que querem apenas ciscar dissimulam essa vontade. Em todo caso, as usuárias com mais idade estão alertas:

— Pessoas mais maduras são tolerância zero — explica a engenheira civil e empresária Iara Paes de Almeida, 60 anos, usuária do aplicativo há um ano. Ela nunca teve decepções ao vivo porque sempre falou várias vezes por telefone com os usuários antes de encontrá-los, conversou sobre filhos, família. Nenhum caso foi adiante, porque “além de química é preciso física, matemática, muita coisa”, mas foram boas experiências e um dos homens, que segue no app, se tornou um amigo.

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— Não existe solidão na era digital — ela se empolga, elogiando a possibilidade de manter contato com diversas pessoas ao mesmo tempo. Multiatarefada, diz que “nem dá tempo” de responder todas as mensagens. E não se importa de ser usuária de um aplicativo com “coroa” no nome, desconfiando dos interesses que “garotões” de outros apps teriam por mulheres da sua idade.

Prioridades mudam com a maturidade

Em universos offline, o mundo segue unindo pessoas à moda milenar. No Centro de Atenção à Terceira Idade (Cati) de São José, Iracema Scorzato, 65 anos, foi casada por mais de 20, ficou quase o mesmo tempo separada e conheceu o homem com quem está há cinco na rodoviária de Vacaria (RS). Começaram a conversar, apenas isso. Estão se dando muito bem desde então. Uma nuance do relacionamento é que nunca viveram juntos, nem pretendem.

— Misturar filhos não dá certo — explica Iracema, também enfatizando que “depois de já ter sido casada tu aprende que precisa do teu espaço”.

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Para Carlos Alberto, 68 anos, tomando um café em uma mesa próxima, a transição do final de um casamento e o começo de outro foi mais rápida. Ele está casado pela terceira vez e quando os dois términos aconteceram ele já conhecia a futura mulher. Gosta de lembrar das suas travessuras masculinas, um homem da velha guarda sem pruridos politicamente corretos. Mesmo assim tem ressalvas para os aplicativos de relacionamentos, pensa que “a facilidade é tanta que as pessoas vão se perder”.

Casados há quase quatro décadas, Izabel Tarcilia Silvino e Aldemirton Leopoldo da Silveira, 60 e 63 anos, não conseguem imaginar o roteiro divórcio, vida de solteiro e novas buscas, com aplicativo ou sem.

— O pior da vida já passou, os maiores obstáculos. Por que não continuar juntos até o final? — diz Izabel.

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De que obstáculos ela está falando?

— Trabalhar 12 horas por dia, criar os filhos. Muita preocupação. A melhor fase para nós é hoje. A melhor fase da nossa vida está sendo este ano — ela afirma, Alderminton concordando entusiasticamente. Os dois, também no Cati, haviam acabado de se matricular para a hidromassagem, ela já está no pilates.

— Em breve vamos viajar para Gramado — ele sorri.

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Na maturidade, é maior a expectativa de “vínculos de qualidade”

No aplicativo Coroa Metade, muitas mulheres, mesmo as na faixa dos 40, dizem esperar relacionamentos prolongados, até “para toda a vida”. Mas a usuária não perderia algo ao colocar isso como condição para um romance?

Para o psicólogo clínico Marcos Henrique Antunes, a questão de esperar um relacionamento estável não varia de acordo com gênero ou idade.

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— Ela reflete questões como a escolha do sujeito, suas características e desejos —, diz o psicólogo.

A particularidade da vida madura é que, com filhos casados e amigos doentes ou ausentes, pode haver maior necessidade de encontrar pessoas para construir “vínculos de qualidade”. Além disso, “as pessoas com mais de 50 anos possuem significativas experiências que lhes permitem analisar, avaliar, refletir sobre o que desejam e esperam para sua vida e para as relações”.

Os aplicativos, para o especialista, “podem ser estratégias facilitadoras de conhecer pessoas. A questão é que precisam ser usados com parcimônia, permitindo tempo e construção de vínculo _ sendo que esse último aspecto é resultado de um processo lento e que envolve muita atenção”.