Ser solteiro nunca esteve tão fácil. Na era em que iPhones ficam obsoletos em seis meses, nada mais natural que sejam criados aplicativos possibilitando que relações se iniciem com apenas um toque no touchscreen. Como “tinderela” diplomada e caloura no Happ’n, posso afirmar que existe gente bacana nesses APP – como em qualquer lugar. Nestas “lojinhas de ser humano” você tem um catálogo amplo para todos os gostos. Basta “coracionar” (novo curtir) os que mais te interessaram e, se eles também se interessaram por você, abrirá uma janelinha de conversa. Aí, minha amiga, é só correr para o abraço. Mentira. Como a primeira forma de seleção é baseada na estética, o momento que separa meninos de homens é o do bate-papo.

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“Não digam aos velhos que eles estão na melhor idade. É deboche”

O fato de conversar com um desconhecido que te trás novos assuntos, novas experiências é talvez o principal para tornar esses aplicativos tão interessantes. Mas nem todo mundo quer se abrir para o totalmente desconhecido, o diferente, preferem conhecer indivíduos da mesma “casta”. Então, foi criado o Luxy, um aplicativo em que você só entra se for rico. Um Tinder classe A, podemos assim dizer.

“Sair do interior não é evoluir”

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“O dia em que fui um dos cinco presentes em um enterro”

Pelo que andei pesquisando, o APP foi criado em setembro do ano passado, mas fiquei sabendo dele apenas nesta semana – o que demonstra que o objetivo deles de selecionar apenas pessoas de sucesso tem dado muito certo.

Somos movidos pelo imediatismo, pelo interesse, pelo que posso ter ao me relacionar com alguém. Viramos produtos e nos acostumamos com isso

Confesso que ao saber do Luxy minha primeira reação foi: ‘Ai nossa, que absurdo!’. Mas depois de alguns minutos, voltei a minha lucidez e percebi que este aplicativo é apenas o que está acontecendo no mundo real. ‘Alôuuuu miga (disse eu para mim mesma), fazemos isso o tempo inteiro e agora você quer falar mal do aplicativo que só foi sincero e objetivo?’

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“Não conhecia a palavra cansado quando era criança”

A partir do momento que as relações se tornaram líquidas, onde nosso coleguinha sociólogo Zygmunt Bauman já dizia “nada é feito para durar” o amor romântico foi deixado de lado e passamos a comercializar nossos corações. Nessa sociedade efêmera somos movidos pelo imediatismo, pelo interesse, pelo que posso ter ao me relacionar com algo/alguém. Viramos produtos e nos acostumamos com isso.

Desigualdade sempre existiu e em algum momento de nossas vidas já selecionamos nossas relações por situação econômica e social, muitas vezes até sem perceber. Ao comentar com algumas amigas sobre esse novo aplicativo, muitas se espantaram (a realidade quando jogada sem maquiagem choca mesmo), mas já selecionaram seus parceiros pelo jeito que se vestem, maneira que se portam ou grau de formação. Poxa, vivendo em um país que tem um histórico de ensino superior totalmente elitista, escolher um pretendente porque ele tem uma profissão de destaque é o quê?

Ou aceitamos que nos organizamos em castas e estamos fadados a relações superficiais ou vamos tentando solidificar os nossos valores.

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Quando questiono as “tinderelas” sobre o primeiro encontro, na maioria das vezes, ouço algo do tipo: é divertido, mas sei lá, não tem futuro. Foi gentil, mas sei lá, se vestia de forma tão comum. Os Happ’n (azes) também são cheios de sei lá…era inteligente, mas meio gordinha…meio baixinha e de, sei lá em sei lá, vamos julgando o aplicativo, achando que a culpa é dele e não nossa, que damos valor ao que não tem.

Resta-me então dar apenas duas opções: ou deixamos o aplicativo em paz e aceitamos que nos organizamos em castas e estamos fadados a relações superficiais ou vamos tentando solidificar os nossos valores para que futuros amores não estourem com a fragilidade das bolinhas em uma taça de champagne Veuve Clicquot.

O Luxy não é o problema. O problema somos nós! (e nesse “nós” estou inserida da cabeça aos pés).

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Fátima Barbi é blogueira do Tainha com Abobrinha.