Em agosto, o brasileiro David Miranda foi tratado como terrorista e detido por nove horas no aeroporto de Heathrow, em Londres. Companheiro de Glenn Greenwald, autor das reportagens que apresentaram o ex-analista de inteligência da Agência Nacional de Segurança (NSA) Edward Snowden ao mundo, Miranda voltava de Berlim e levava informações para Greenwald no Rio, onde os dois moram. Nesta sexta-feira, na condição de coordenador da campanha para que o Brasil abrigue Snowden, asilado temporariamente na Rússia, estará em Porto Alegre para o evento Conexões Globais. Leia trechos da entrevista concedida por telefone:
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Zero Hora- Por que o senhor decidiu liderar a campanha pelo asilo a Edward Snowden?
David Miranda – Snowden é meu herói. É um herói não só para o Brasil, mas para o mundo inteiro. Hoje, ele está na Rússia, sem poder participar do debate sobre espionagem e controle da internet que ele ajudou a criar porque o governo da Rússia não permite. A ideia é que ele venha ao Brasil ou vá para outro país onde receba o asilo permanente e onde os Estados Unidos não possam tocar nele para que possa continuar o trabalho que começou. Lançamos uma campanha mundial e já estamos com mais de 900 mil assinaturas. Vamos chegar a 1 milhão e levaremos ao Senado provavelmente na primeira semana de fevereiro.
ZH – Por que o Brasil compraria briga com os EUA dando asilo a Snowden?
Miranda – Não é uma briga contra os Estados Unidos. É uma briga com os direitos humanos. Os EUA são o país que mais defendem os direitos humanos e dá asilo para muitos refugiados. O Brasil é um dos países que assinou o tratado dizendo que iria proteger os direitos humanos e vai poder cumprir seu papel. Snowden simplesmente fez o dever dele de cidadão ao informar o que o governo dele está fazendo de errado. O Brasil, protegendo os direitos de Snowden, vai mostrar sua soberania como país que cumpre a palavra dos tratados que faz. Não é uma forma de retaliação.
ZH – Quais são as alternativas que Snowden tem?
Miranda – Grupos em outros países estão fazendo também essa campanha, na Alemanha, na França e em outros países na América do Sul.
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ZH – Snowden se dispôs a colaborar com as autoridades brasileiras se receber asilo. Ele tem mais revelações a fazer sobre o Brasil?
Miranda – Muitas questões foram levantadas com esses documentos e não foram respondidas. Talvez, podendo participar desse debate, ele irá respondê-las. Oito meses atrás, ele saiu do país dele, foi para Hong Kong, na China, para entregar esses documentos ao Glenn (Greenwald) e a Laura Poitras (jornalista que também recebeu informações de Snowden). Ele não tem asilo permanente em nenhum lugar e, onde recebeu asilo temporário, não lhe é permitido continuar esse debate. Ele largou o passaporte dele, os amigos dele, a família, o país para poder informar o mundo. Agora, ele só tem um desejo, um país que dê asilo permanente e onde ele consiga participar do debate que criou.
ZH – Vocês consideram que a missão de Snowden foi cumprida depois do anúncio feito pelo presidente Obama na semana passada (anunciando mudanças no programa de espionagem)?
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Miranda – Não. Existem muitas mudanças que devem ser feitas, como mais transparência entre o governo e a população. É só o começo.
ZH – A Grã-Bretanha justificou a sua detenção como suspeita de terrorismo e espionagem. Qual é o estado dessa acusação?
Miranda – Estou processando o governo da Inglaterra para que eles devolvam esse material, para que eles não compartilhem esse material com outros governos e para que eles admitam que utilizaram essa lei de forma errada comigo. Em 98% das vezes que essa lei foi utilizada, as pessoas foram liberadas em menos de uma hora. Eu estava carregando material jornalístico e eles alegaram que era produto de terrorismo e de espionagem. Em nenhuma forma de publicação que fizemos existe qualquer evidência de que isso tenha acarretado dano para a segurança nacional, tanto dos EUA quanto da Inglaterra. Todas as publicações foram de perfil social, político, diplomático e econômico, nenhuma de perfil militar. Então, não há como sustentar que foi terrorismo.
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ZH – Que tipo de dados foram apreendidos?
Miranda – Posso falar apenas que são materiais analíticos. A Laura Poitras estava trabalhando com materiais que o Glenn tinha, e que eu levei para ela, e o Glenn trabalharia com materiais que eu estava trazendo. Eram dois jornalistas trocando materiais entre si. Existe cópia desse material e eles nunca vão conseguir acessar porque estão muito bem criptografados. Talvez consigam daqui a sete anos, porque o nível de criptografia nos pendrives que eu tinha era extremamente alto.
ZH – As consequências que Snowden sofreu revelando a identidade dele dificulta que outras fontes revelem outros aspectos?
Miranda – Snowden pensou bastante o que iria fazer. Ele tomou a iniciativa de mostrar o rosto porque tinha de responder a essas questões. O que ele fez vai trazer mais pessoas iguais a ele para o nosso lado.
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ZH – Que medidas o Brasil deveria adotar diante da vulnerabilidade dos dados?
Miranda – O caminho é o Brasil entender que é preciso olhar as empresas de telecomunicação, e ver quais são as falhas delas. Também criar um sistema próprio para se proteger. Existem especialistas nisso e ,até agora, não vejo nada sendo feito.
ZH – Os senhores se sentiram alguma vez ameaçados no Brasil?
Miranda – Não houve a necessidade de ter a Polícia Federal 24 horas (oferta feita pelo Congresso) porque não estamos fazendo nada de errado. Aconteceram algumas coisas estranhas como sumir um computador na minha residência e ninguém sabe como isso aconteceu. Fora isso, não me sinto ameaçado de forma alguma.