Dezenas de escutas telefônicas com negociações envolvendo pagamento em dinheiro, tráfico de influência e até fotos de encontros com entrega de um envelope suspeito estão entre as provas que levaram à prisão sete pessoas, nesta semana, na Operação Blackmail (chantagem, em inglês), do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
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Como fica o trabalho de João Carlos Gonçalves na Câmara de Vereadores
A reportagem de A Notícia teve acesso à decisão de 15 páginas assinada no dia 1º de novembro pelo juiz da 2ª Vara Criminal de Joinville, Gustavo Henrique Aracheski. Na decisão, o juiz detalha, com base nas investigações do Gaeco, pelo menos oito provas que envolvem diretamente os sete suspeitos que foram presos; e indiretamente pelo menos outras cinco pessoas, incluindo empresários, donos de imóveis fiscalizados e um profissional liberal. Os nomes dos interlocutores e o conteúdo das gravações não estão incluídos no material ao qual “AN” teve acesso.
No despacho, fica clara a divisão dos suspeitos em dois grupos. No primeiro, com seis pessoas, o principal acusado é o fiscal de posturas da Secretaria de Meio Ambiente (Sema), Júlio César da Silva. Ele, de acordo com o texto, controlaria um esquema de corrupção por meio do uso do cargo que exercia. Empresários e donos de imóveis fiscalizados eram coagidos a usar serviços indicados pelo fiscal e que estavam diretamente ligados a ele. Ou seja, o grupo ganhava dinheiro oferecendo “solução” para os problemas apontados por ele mesmo nas obras fiscalizadas.
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Acusações
No outro grupo, o vereador João Carlos Gonçalves aparece não apenas como interlocutor de Júlio César da Silva no esquema, mas como beneficiário direto de tráfico de influência.
– A investigação teve início para identificar crimes de corrupção praticados pelo servidor público municipal Júlio César da Silva, mas a partir de conversas deste fiscal com o vereador João Carlos Gonçalves, também se vislumbrou a prática de crimes de corrupção e de tráfico de influência por parte do vereador. Razão pela qual, embora originadas duma única medida cautelar de interceptação telefônica, a investigação desdobrou-se em dois núcleos – diz a decisão.
Depoimentos prosseguem em Joinville
Nesta quinta-feira, segundo dia de depoimentos das 77 testemunhas notificadas, o Gaeco ouviu pelo menos outras 15 pessoas. Estas testemunhas podem se transformar em rés caso o Ministério Público perceba que, em vez de vítimas, elas podem ter sido beneficiadas com o esquema. Todos os sete detidos na manhã de terça-feira continuam presos.
O vereador João Carlos Gonçalves está em uma cela da Penitenciária Industrial de Joinville, isolado dos demais internos. Os outros envolvidos foram levados para celas comuns do Presídio Regional de Joinville.
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O advogado Aldano José Vieira Neto disse que está providenciando um pedido de revogação imediata da prisão do vereador João Carlos Gonçalves. À RBS TV, o advogado que está cuidando da defesa do fiscal Júlio César Pereira disse que só vai se manifestar depois que tiver acesso aos detalhes da investigação. A reportagem de “A Notícia” não conseguiu contato com as defesas dos outros envolvidos.
Confira trechos da decisão da Justiça que levou às prisões:
1 – O fiscal Júlio César da Silva sugere para que sócios de uma empresa contratem os serviços de sua filha e negocia, inclusive, para parcelar os “honorários”. Os áudios que estão no processo comprovam “com clareza a participação do fiscal na fraudulenta captação de serviços de contabilidade (vantagem indevida)”, diz a decisão.
2 – Segundo a decisão, depois de inspecionar outro estabelecimento, o fiscal teria apontado irregularidade ao proprietário, mas deixou claro que essa irregularidade poderia ser solucionada pelo escritório de contabilidade de sua filha. As negociações também estão gravadas.
3 – Diligências do Gaeco comprovam que a mulher de um empresário que tinha tido sua empresa fiscalizada por Júlio Cesar negocia e, pelo que indicam os diálogos anexados ao processo, faz o pagamento da vantagem indevida negociada na triangulação entre fiscal, sua irmã e o empresário.
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4 – O namorado da filha de Júlio César, “mancomunado com ele”, se passa por fiscal em outra empresa e novamente há a negociação em relação à contratação de serviços da filha.
5 – Áudios comprovam que um arquiteto também teria recebido “vantagem indevida” e repassado valores ao fiscal Júlio Cesar por atuar em obras sob fiscalização dele. O arquiteto teria sido indicado pelo fiscal.
6 – Depois de se encontrar com o fiscal, gravações mostram que o ex-vereador Juarez Pereira voltou a falar com ele no dia seguinte “buscando interceder por um empresário que fora alvo recente de fiscalização”. O ex-vereador também teria passado a indicar os serviços ilícitos a empresários fiscalizados por Júlio César. Não há indício de que Pereira tenha recebido dinheiro, mas dois áudios evidenciam que ele “tinha consciência do esquema do fiscal”.
7 – O vereador João Carlos Gonçalves foi identificado nas investigações como um dos interlocutores do fiscal, e as conversas mostram tratativas sobre os alvos de fiscalização. Num dos áudios, ele teria exercido “tráfico de influência advogando interesses particulares junto à administração pública, buscando incessantemente a liberação de embargo administrativo” de uma obra.
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8 – Interceptações telefônicas e fotos de encontros revelam que o vereador, de forma ilícita, teria interferido no procedimento de contratação de serviço público do estacionamento rotativo, também em contrapartida ao recebimento de vantagem em dinheiro de um empresário. Há diálogos entre o vereador e outras duas pessoas que deram ao juiz a convicção de que João Carlos “vem recebendo por parte de empresários vantagens indevidas (dinheiro) exclusivamente por conta da sua função pública”.
*A cópia da decisão à qual “AN” teve acesso não contém a íntegra dos
diálogos, que continuam sob sigilo, nem a maioria das identidades dos
envolvidos, que ainda precisam ser ouvidos