É o que perguntava o velho que estava sentado na mesa do outro lado do bar.
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– Você deve estar me confundindo com algum jogador – respondeu.
– Digo, quantas Copas você já viveu, por quantas passou, em quantas torceu, é isso que quero saber – continuou o sujeito, enquanto enchia o copo americano de boteco com uma cerveja dessas feitas de cereais não maltados, com rótulo comemorativo da Copa de 2014.
Fez aquela conta nunca antes pensada e descobriu que esta seria sua décima Copa.
A de 78 na Argentina e de 82 na Espanha entravam na conta, mas era muito pequeno para se lembrar.
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Mas como esquecer a derrota do Brasil para a França em 86, com o pênalti perdido pelo Zico? O Zico, caramba, o galinho do Flamengo campeão do mundo!
A pergunta desencadeou lembranças da terra natal, dos amigos de infância, da família e do lugar onde assistiu a alguns jogos, a casa onde cresceu.
A Copa de 90, por exemplo: que dádiva ter presenciado aquela tristeza. Diego Armando Maradona – é de arrepiar só a lembrança – passa para Caniggia, que chuta para o gol de Taffarel. O Dunga estava lá, mas ainda não usava aquele cabelinho arrepiado que deu sorte em 94.
Estava na cozinha de casa, assistindo a partida na mesa de jantar, junto com o pai e a mãe. A irmã estava ali, mas não se interessava por futebol. A TV era pequena, devia ter umas 14 polegadas, mas ninguém ligava muito para isso.
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Na Copa de 94 ele já havia beijado algumas garotas, namoros rápidos, e estava para se formar no terceiro ano. Tudo era festa. “20 anos, como passa rápido”, pensou.
O Brasil era tricampeão, só que ele e a turma nunca tinham visto um capitão erguer a taça. Foi a primeira final de sua geração.
Na partida de abertura contra os EUA, sua mãe tinha ido ao banheiro quando saiu aquele gol do Bebeto. Ele e o pai não a deixaram sair de lá. Não se brinca com esse tipo de coisa quando dá sorte.
E a partida com a Holanda, que assistiu com amigos num shopping recém-aberto na cidade? Não se esquece do Branco cobrando aquela falta e o Romário desviando o corpo para a bola entrar no gol de De Goeij, sem chance de defesa.
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A final do Brasil de Romário contra a Itália de Baggio foi assistida num telão de boate. Era uma espécie de evento do colégio, a transmissão era ruim, falhava várias vezes. Mas o Brasil ganhou e foram para a festa na principal avenida da cidade, é isso o que importa. Era uma despedida, iria passar o segundo semestre de 1994 num intercâmbio cultural nos EUA, no país da Copa, justo ele que era um perna de pau.
Em 98 já tinha a primeira namorada oficial. Aquela que vai em casa, conhece os pais. Na turma, era uma espécie de namoro coletivo. Não, nada de suruba! É que todos, ou quase todos os amigos namoravam, era uma turma de casais. E foi entre casais que assistiram praticamente todos os jogos daquele ano. A bandeira do Brasil, comprada para fazer firula no intercâmbio anos antes, era enrolada nas costas e as fotos no dia da derrota do Brasil para a França de Zidane mostram que já estava pouco se lixando. Ele e os amigos pareciam focados nas namoradas.
Em 2002 o Brasil foi campeão novamente, mas não se lembrava de quase nada. Da final contra a Alemanha, recorda-se do penteado do Ronaldo Fenômeno e das latas de cerveja espalhadas pela sala em que estava com os amigos. Tampouco se recorda se estava namorando ou não naquela época.
Já a Copa de 2006 foi assistida meio lá, meio cá. Ele havia se mudado para outra cidade. Os amigos da terra natal estavam se casando e um deles resolveu fazer a cerimônia durante a Copa. Foi a chance de assistir a derrota para a França, mais uma vez com Zidane, com a turma que iria ao casamento.
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Em 2010 já estava casado e morava em sua própria casa. A TV nova de tela plana e muitas polegadas foi motivo para convidar os amigos a ver os jogos por lá.
Mas o pacote Full HD da Net, que era o atrativo inicial, fazia o jogo perder a graça: a definição era ótima, mas o sinal demorava alguns milésimos de segundos a mais que o do boteco da esquina, que tinha tv aberta e avisava segundos antes se tinha sido gol ou não.
A essa altura da conversa já havia dividido algumas rodadas daquela cerveja aguada com o desconhecido do bar. Compararam aquelas copas de antes da idade adulta, com brincadeiras de criança, as quais não se tem mais acesso.
Lembrou, já bastante emotivo por tantas lembranças, que a Copa de 2014 será a primeira de seus dois filhos.
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A contagem agora também é deles
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