A Justiça de Araquari, município vizinho de Joinville, no Norte do Estado, determinou que os dois policiais militares denunciados após o desaparecimento e a confirmação da morte do jovem Wesley Lopes, de 25 anos, sejam levados a júri popular. Além do crime de homicídio qualificado (motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima), os soldados Juan Felipe Berti e Jocenir Cavejon também serão julgados por abuso de autoridade e ocultação de cadáver.

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A decisão de levar a dupla ao banco dos réus foi assinada neste domingo pela juíza Cristina Paul Cunha Bogo. Como ambos podem recorrer da decisão, o júri ainda não tem data marcada. Eles já não atuam mais em Araquari e estão afastados das atividades nas ruas.

Um longo trabalho de investigação apontou o suposto envolvimento dos policiais no assassinato de Wesley, que desapareceu em setembro de 2013. Os restos mortais do rapaz, encontrados sem a cabeça, só foram localizados cerca de um ano após o sumiço dele, em uma região de mata fechada de Araquari. Mas, ainda antes da confirmação da morte, a Polícia Civil da cidade já tinha indícios de que os soldados abordaram Wesley na noite de seu desaparecimento.

Vizinhos afirmaram em depoimento que viram dois policiais militares o levarem numa viatura. Com a confirmação de que tratavam-se de Juan Felipe Berti e Jocenir Cavejon, eles foram indiciados apenas por abuso de autoridade em um primeiro momento. A sequência das investigações, no entanto, confirmou que o jovem foi morto e o caso passou a ser tratado como homicídio.

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Em abril do ano passado, os dois soldados foram denunciados sob a acusação de executá-lo e de sumir com o corpo dele. Conforme a denúncia do Ministério Público, o rastreador da viatura identificou que os policiais permaneceram por 13 minutos na rua onde a vítima morava e, quase duas horas depois, o veículo esteve próximo do local onde a ossada viria a ser encontrada.

Relatos de testemunhas indicam que Wesley teria sido agredido com tapas e obrigado a entrar na “caixa” da viatura. Ele apresentava capacidade mental reduzida e, segundo depoimentos, não conseguiu soletrar o nome aos policiais. Wesley não sabia ler, escrever, contar dinheiro ou soletrar.

— Não satisfeitos com o abuso de autoridade perpetrado, os denunciados, previamente acordados com a manifesta intenção de matar, deixaram de apresentar pessoa presa ao delegado de plantão e levaram a vítima para local ermo fora da área de atuação — narra a denúncia.

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A perícia concluiu que Wesley morreu por golpes sofridos na região das costelas e possivelmente no crânio. Para o Ministério Público, os denunciados separaram o crânio de Wesley das outras partes do corpo com a intenção de impedir que o crime fosse desvendado. Segundo o documento, ação foi decorrente de “indevida animosidade” dos policiais com a vítima, que tinha registros policiais e era parente de suspeitos de traficar drogas na região.

Viatura desviou da rota, aponta denúncia

Os policiais denunciados pela morte de Wesley desviaram da rota prevista para as rondas da viatura na noite em que o jovem desapareceu, aponta a denúncia do MP. Em depoimento à Justiça, o então comandante da PM em Araquari, capitão Maicon Dilmo de Souza, afirmou que parte da área percorrida pela guarnição (conforme o rastreamento do GPS) não fazia parte da rota dos réus e que não havia motivo para a viatura ter feito o deslocamento.

Oficial responsável pela corregedoria, o capitão André Luiz Adams também afirmou em juízo que a rota percorrida pelos policiais foi desviada sem determinação do comando e sem solicitação de apoio de outras viaturas. O delegado responsável pelo inquérito, Rodrigo Aquino Gomes, reforçou em depoimento que a viatura dos soldados denunciados permaneceu por cerca de 15 minutos no loteamento Santo Antônio, onde Wesley foi visto pela última vez.

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Segundo o delegado, o carro da polícia também passou na região onde foram encontrados os restos mortais da vítima. Na avaliação do delegado, as testemunhas que viram a abordagem não apresentaram contradições, foram objetivas e passaram credibilidade nos relatos.

Ouvido em juízo, um agente envolvido na investigação mencionou que a distância do ponto onde a viatura passou até o local onde a ossada foi localizada poderia ser percorrida a pé.

Documento da Justiça de Araquari menciona trechos da denúncia
Documento da Justiça de Araquari menciona trechos da denúncia (Foto: TJ-SC / Reprodução)

Denunciados negam as acusações

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Juan Felipe Berti e Jocenir Cavejon sempre negaram as acusações do Ministério Público. Em depoimento, o soldado Berti afirmou que não conhecia a região do bairro Itinga e que seu parceiro de viatura decidiu apresentar o local por prevenção. Ele negou que tenham abordado Wesley ou qualquer outro morador da região. Segundo o policial, uma pessoa fugiu ao avistar a viatura no loteamento Santo Antônio, mas não chegou a ser encontrada.

Ainda conforme o soldado, a guarnição ficou parada no local, entre 10 a 15 minutos, para ver se o suspeito havia dispensado algum pertence. Berti também afirmou que houve uma saída da rota primária para verificação de rotina e de eventuais festas raves na região. Ele mencionou uma saída a Joinville, para apoio numa ocorrência de assalto, e negou que tenham parado em qualquer local.

O soldado Cavejon reiterou a versão de que uma pessoa fugiu ao ver a viatura no loteamento Santo Antônio e que, depois disso, pararam o carro para fazer buscas no local. O soldado também mencionou a saída da rota primária como forma de verificar a realização de festas raves, justificando que procedimentos assim seriam de praxe, além do apoio ao assalto em Joinville.

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Assim como Berti, também negou que tenham abordado Wesley ou qualquer outra pessoa naquela noite.

Defesa alega falta de indícios de autoria

À Justiça, a defesa dos acusados sustentou que não foram colhidos indícios suficientes de autoria, que sete testemunhas viram, ouviram ou estiveram com a vítima após a data da suposta abordagem, vivo e gozando de plena saúde, em Araquari e em Balneário Camboriú. Também argumentou que o laudo pericial não define com precisão a data do óbito e que a ossada foi encontrada em circunstâncias que indicam que foi apenas despejada naquele local, sem que o homicídio tivesse ocorrido na mesma localidade.

A defesa ainda argumentou que os policiais não tinham relação de animosidade com a vítima. Procurada pela reportagem, a advogada Carla Schettert, que representa os dois policiais no caso, antecipou que recorrerá ao Tribunal de Justiça contra a decisão de levá-los ao júri. Conforme a advogada, a perícia realizada para os processos administrativos da PM indica que as distâncias registradas no GPS e os tempos de deslocamento não são compatíveis com o que narra a denúncia.

—Não haveria tempo hábil para percorrer, executar a vítima, levar o corpo até o local onde foi encontrado. É distante da estrada, de difícil acesso, mata fechada — defende.

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A advogada contesta a decisão da Justiça de Araquari de não considerar as provas reunidas nos dois procedimentos da PM, que não implicaram em punição aos policiais. Os depoimentos de pessoas que disseram ter visto Wesley após a suposta abordagem, reforça a advogada, foram ignorados pelo Ministério Público.

LINHA DO TEMPO

28 de setembro de 2013

Wesley sai para comprar um lanche na madrugada. Segundo a denúncia, ele foi abordado pela PM por volta de 1h18 (horário que consta no sistema de rastreamento da frota), no loteamento Santo Antônio.

30 de setembro de 2013

Suposta testemunha teria visto Wesley em um bar com outros quatro rapazes. Versão não foi confirmada.

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Abril de 2014

Policiais militares são indiciados pela Polícia Civil por abuso de autoridade. Ainda não havia confirmação da morte.

17 de setembro de 2014

Ossada de Wesley é encontrada sem o crânio em mata fechada, próximo à Estrada Rio do Morro.

1º de janeiro de 2015

Exame de DNA confirma que ossada era de Wesley.

24 de janeiro de 2015

Familiares de Wesley fazem sepultamento dos restos mortais.

Abril de 2015

Ministério Público oferece denúncia contra os policiais.

Agosto de 2015

Audiência de instrução e julgamento é realizada

20 de novembro de 2016

Justiça de Araquari considera admissível a denúncia e determina que os policiais sejam levados a júri popular pelos crimes de abuso de autoridade, homicídio qualificado e ocultação de cadáver.