Órgãos municipais, estaduais e federais não sabem precisar o número de imigrantes haitianos em Santa Catarina. Eles deixaram o país da América Central, principalmente depois do terremoto de 2010, e encontraram no Acre e no Amazonas rota de fuga da miséria. Na tentativa de recomeçar, não demoraram muito para descer em direção ao Sul do Brasil – ou ao “Sul maravilha“, como eles mesmo preferem dizer.

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Basta circular pelas ruas de cidades como Florianópolis, Criciúma, Chapecó e Itajaí para encontrá-los e perceber a concentração em algumas regiões do Estado. A Grande Florianópolis é uma delas, onde se estima que haja 8 mil haitianos tentando a vida. O município de Palhoça registra maior número e a Prefeitura local já contabiliza 2 mil imigrantes dessa nacionalidade, principalmente pelo menor custo de aluguel e proximidade à capital catarinense.

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Na cidade, o Haiti é aqui, conforme cantaram Caetano Veloso e Gilberto Gil. A saudade de casa, o duplo preconceito (de cor e origem) e a desvalorização do trabalho tornam-se menores. O ponto de encontro e, principalmente de integração entre brasileiros e haitianos, é a Faculdade Municipal de Palhoça, onde no primeiro semestre começaram a ser oferecidos cursos de língua portuguesa – a primeira dificuldade para quem fala crioulo. A adesão foi alta para a pouca divulgação: 160 alunos.

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?- Ninguém sai do seu país porque está ótimo viver lá. É gratificante recebê-los aqui. Não se trata de assistencialismo, mas de humanização – destaca a reitora Mariah Teresinha do Nascimento, que compõe o grupo de trabalho focado em imigração na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc).

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A iniciativa encorajou corpo docente e servidores a abraçarem a causa. Hoje há dois imigrantes cursando graduação e outras dezenas envolvidas em cursos de extensão. Todos oferecidos gratuitamente.

– Temos que abrir o horizonte, dar condições, para que eles possam ter um norte aqui. Temos que trabalhar bastante no acolhimento ?- corrobora o secretário de Segurança Pública e Infraestrutura de Palhoça, Leonel Pereira.

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Racismo no mercado de trabalho

O haitiano Marc Arthur Dorsone, 41, sente na pele negra a desvalorização da mão de obra que pode oferecer. Ele vive há quase dois anos em Palhoça, mas até o momento não conseguiu um cargo que corresponda à formação de engenheiro civil obtida no país de origem. Pediu, então, aos professores da faculdade a chance de “aprender computador”.

– O povo brasileiro é muito bom, mas alguns têm preconceito. Ainda não consegui um trabalho melhor, mas tem tempo. Vou dar tempo ao tempo – diz, em um português enrolado, mas sincero.

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O tutor de Informática, Sinomar de Araújo Lopes, orgulha-se de poder dar nova chance à Marc e tantos outros imigrantes que buscam o curso.

?- Acho que a gente aprende mais com eles do que eles com a gente.

Foto: Betina Humeres/Agência RBS

Ascensão pelo estudo

Judette Teus, 29, formou-se em Comunicação Social na República Dominicana, país vizinho ao Haiti, onde também exilou-se antes de chegar ao Brasil. Mas não teve jeito. Recém-chegada à Grande Florianópolis, só conseguiu ganhar dinheiro como faxineira.

– Na minha casa no Haiti, tínhamos duas empregadas domésticas. Essa era a minha realidade. Sabia que encontraria dificuldades aqui, mas não que seriam tantas. Pensava que o governo fosse dar mais condições à permanência dos estrangeiros, além da facilitação da entrada – reflete a jovem haitiana.

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Ela agora agarrou a oportunidade de encarar uma segunda graduação em terras palhocenses. Em 2016, vai para o segundo semestre do curso Tecnólogo em Gestão do Turismo.

– Me receberam muito bem aqui, sou muito grata. Mas já penso lá na frente: também quero estudar Relações Internacionais. Acho que faz sentido, né? – revela.

Foto: Betina Humeres/Agência RBS

Integração ao pé da letra

Wilfaud Desir, 33, tem pouco vínculo com a faculdade de Palhoça, mas representa tudo o que a instituição deseja aos alunos imigrantes: integração. Isso porque junto da companheira brasileira Kátia Martendal Desir, 28, carrega no colo o pequeno Lorenzo, de três meses. O casal se conheceu em encontros religiosos, quando Kátia promoveu a acolhida dos estrangeiros por meio do aprendizado da língua crioula.

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– Eu poderia passar a tarde toda falando português com eles, mas não seria a mesma coisa. Falando crioulo, faço com que eles se sintam em casa. E o Wil me ensinou muito bem – diz, rindo.

O auxiliar de pedreiro conseguiu colocação profissional praticamente desde que chegou de Porto Príncipe, capital do Haiti, há dois anos. Empresas catarinenses ofereceram oportunidade de trabalho quando ele ainda estava no Norte do país. Wil concorda com a acolhida proposta por Kátia e acrescenta que, mais do que aprender português com a companheira, está realizando o sonho de constituir família.

– Deixei muitas pessoas lá e não é fácil. Vim para cá sabendo que seria assim. Tem que ter paciência. Estou muito feliz de estar aqui agora, mas espero que meus conterrâneos um dia possam permanecer com boas condições no Haiti.

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A Pastoral do Migrante, da Arquidiocese em Florianópolis, também atua na integração dos haitianos na região. Eles foram maioria nos atendimentos em 2015, que chegam a 45 por dia. Um dos serviços prestados é o auxílio na emissão de documentos – neste ano foram confeccionadas mais de 2 mil carteiras de trabalho para haitianos no Estado. Mas o padre Joaquim Roque Filipin pensa além:

– Falta pensar que eles têm que se integrar conosco. Não podemos despersonalizá-los. Isso é processo, não é ato, onde os atores da mudança são haitianos e brasileiros – finaliza.

Diagnóstico de Palhoça

– 150 estrangeiros matriculados na FMP em cursos de graduação (Psicologia, Administração e Técnico em Turismo) e extensão (Língua Portuguesa, Informática e Cuidador de idosos);

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– 88% são homens;

– Maioria tem entre 18 e 35 anos;

– 64% são solteiros;

– 98% tem família no país de origem;

– 40% tem Ensino Superior incompleto, 32% tem somente o Ensino Médio e 2% tem pós-graduação;

– 84% dos matriculados vive em Palhoça e 10% em Santo Amaro da Imperatriz;

– 71% estão empregados (47% em Serviços, 24% em Comércio, 29% em Indústria);

– 65% ganha entre R$ 1 mil e R$ 2 mil;

– Nas horas livres, 42% vai à Igreja e 38% estuda.

Fonte: Faculdade Municipal de Palhoça/dezembro de 2015