“Acabei de reler o que escrevi e noto que sou muito mais inteligente do que a minha escrita. Como pode acontecer que, no homem inteligente, o que ele exprime fique muito mais estúpido do que o não expresso?”

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O trecho é de O Adolescente, livro dos menos conhecidos de Fiódor Dostoiévski, escritor que procuro ler e reler em busca de lampejos de sua maestria de artista.

Peguei O Adolescente e parei nesse trecho, em que o personagem, que está prestes a escrever algo autobiográfico, vive a angústia de quem escreve, a dor de quem tem que se expressar e, como o próprio escritor russo, nunca acha que ficou bom o suficiente.

Publiquei meu primeiro texto como cronista do DC em junho do ano passado. Como passou rápido! Foram 47 crônicas (incluindo esta), sobre os mais diversos assuntos, começando pelas manifestações que aconteceram justamente quando saíam os primeiros textos, passando pela Lei Cidade Limpa, que na Ilha ainda não deu em nada, e também crônicas sobre nossa querida Ponte Hercílio Luz, que chamei de “ponte fantasma”. Fiz diversos esboços sobre futebol, mas só publiquei um texto acerca do assunto na semana passada e seria natural escrever sobre a Copa mais uma vez esta semana. Mas a única observação é que nunca vi as pessoas tão desanimadas com um Mundial de Futebol. Talvez baste a Seleção jogar bonito e ganhar algumas partidas para a coisa mudar. Por enquanto, vejo poucas bandeiras nos prédios e nos carros, pouca animação em geral. Os gringos já circulam pela cidade e, como toda a população, sofrem com a greve dos metroviários e a briga política pré eleitoral. Trânsito e caos na cidade da abertura da Copa do Mundo de 2014.

Vou assistir aos jogos sim, o máximo que puder, não só os da Seleção.

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Mas deixo os próximos parágrafos, esses últimos antes do recesso da Copa, para dois filmes que vi nos festivais e mostras do ano passado, que estrearam na última semana.

O Lobo Atrás da Porta

O filme é baseado num crime acontecido no Rio de Janeiro, mas falar sobre o crime seria entregar a história. Vale saber que é um policial, gênero pouco explorado pelo cinema brasileiro.

O filme merece cinemas cheios. Apesar do gosto do brasileiro pelas comédias, O Lobo… tem ingredientes que podem garantir uma boa bilheteria. Atores conhecidos do grande público (Leandra Leal, Juliano Cazarré, Milhem Cortaz e Fabíula Nascimento), uma ótima e bem contada história e não cai nos clichês dos seriados policiais da TV, principalmente no que diz respeito a velocidade da montagem. É filme para ver no cinema, acompanhar o caso com toda a atenção que a sala escura e a tela grande proporcionam. O longa saiu premiado do Festival de San Sebastián na Espanha e ao estrear no Festival do Rio levou o prêmio de melhor atriz (Leandra Leal). Uma das coisas mais interessantes do longa é iludir o espectador, da mesma maneira que o delegado que investiga fica em dúvida sobre qual versão dos fatos acreditar e também sobre o que de fato aconteceu, quais os reais motivos da monstruosidade praticada.

Riocorrente

Primeiro longa de ficção, mas não primeiro filme de Paulo Sacramento (do documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro, 2003) é um filme explosivo. Com uma dramaturgia completamente diferente de qualquer filme brasileiro feito nos últimos anos, Riocorrente é uma experiência pulsante, alguns dizem sensorial. Sim, pode ser, o filme tem o poder de deixar o espectador à flor da pele.

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Aquela vontade que poucos levam até o fim – ainda bem – de “jogar fogo em tudo” é algo concretizado de várias maneiras pelo filme. Riocorrente pulsa como a cidade de São Paulo, que maltrata quem não consegue dividir com ela a sua existência.

O mais interessante do longa não é a dramaturgia, são as metáforas criadas com as imagens: os humanos são tão importantes quanto os prédios da cidade, o coquetel molotov ou uma inofensiva garrafa d’água, os animais e a criança, o menino Exu, talvez o mais humano dos humanos do filme.

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