Mesmo que a energia elétrica só chegue pelo chamado “gato” e que a rua fique intransitável por causa dos buracos a cada chuva mais forte, Ademar Heidecke, 65 anos, e Astrid Metzler, 62, esbanjam felicidade na casa em que moram no Jardim Albatroz, um loteamento da Praia do Ervino, em São Francisco do Sul.
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Localizado no litoral Norte, o espaço é um dos lugares de Santa Catarina onde o programa de regularização fundiária Lar Legal, executado pela Secretaria de Estado da Assistência Social, Trabalho e Habitação, deu certo e realizou sonhos de moradores de baixa renda da região em que viviam em imóveis irregulares.
Conjuntura bem diferente daquela em que estão 600 famílias do Oeste, lesadas em R$ 1,4 milhão em um golpe que prometeu, mas não garantiu a escritura das propriedades, conforme apura investigação do Ministério Público em andamento, revelada pelo Diário Catarinense desde segunda-feira na série de reportagens sobre a fraude que atinge o Lar Legal.
Há dois anos Ademar Heidecke e a mulher deixaram Blumenau e mudaram para São Francisco do Sul com o filho para viver a poucos metros da praia e, enfim, curtir a vida de quem desfruta da aposentadoria. Descanso merecido após uma vida de trabalho na agricultura e na indústria têxtil.
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O terreno, de 280 metros, abriga uma casa de madeira. Simples, é verdade, assim como o Fusca na garagem e a bicicleta que fica perto da janela. Mas própria e agora legalizada, instalada em um cenário de paz e tranquilidade, completado pelo som dos pássaros e pela companhia do inseparável cão da família.
Para a residência, adquirida e documentada em contrato, faltava a escritura. Razão pela qual o casal aceitou participar do Lar Legal e pagou R$ 902 a uma empresa credenciada pelo Estado para fazer o trabalho.
O pedido para emissão do documento tramitou pouco mais de um ano na Justiça e o título foi emitido em sentença judicial, que também beneficiou o loteamento Francismar, outro de São Francisco do Sul beneficiado com a regularização fundiária.
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O feito foi comemorado em uma entrega coletiva de escrituras, realizada em 7 de julho deste ano, na capela Santa Cecília, quando 911 famílias foram beneficiadas.
– Eu amo trabalhar. Trabalho desde os seis anos na roça, mas agora temos paz e sossego. Graças a Deus foi uma conquista e alegria muito grande. Valorizou o terreno, que agora já vale mais que o dobro. Temos segurança e podemos dizer que é nosso – vibra Astrid, que enquanto cobra a instalação da rede de energia elétrica nas casas do Jardim Albatroz e a pavimentação das ruas, já traça planos para abrir uma loja de roupas.
FIM DA LUTA QUE SE ARRASTAVA DESDE 1989
O aposentado João Maria Machado, 59 anos, também mora no Jardim Albatroz, na Praia do Ervino, e assim como os vizinhos, comemorou bastante quando viu em mãos a escritura da casa viabilizada pelo Lar Legal neste ano.
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João Maria Machado também conseguiu a escritura pelo Lar Legal, no Ervino.
– Lembro que na época de pagar eu fiquei na dúvida e pensei: Isso não vai dar em nada. No meu caso, consegui resolver um problema de 11 anos que tínhamos com a casa aqui. Sem dúvida ganhamos segurança para viver e a valorização da área. Sei de gente que comprou terra aqui e desde 1989 estava nessa luta, que agora terminou – lembrou Machado, hoje tranquilo.
Judiciário espera agilizar emissão de documentos
Em Caçador, no Meio-Oeste catarinense, o programa Lar Legal também evoluiu positivamente. Na última segunda-feira, 246 escrituras públicas de propriedades foram entregues no distrito de Taquara Verde. Para algumas famílias, a cerimônia simbolizou a realização de um desejo de três décadas.
Nascido e criado na localidade onde ocorreu a entrega, Dinarte José Meira, de 88 anos, resumiu a satisfação dele, dos familiares e dos vizinhos:
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– É um dia de sonho que esperamos por muito tempo. Os terrenos agora são nossos de verdade – afirmou aos jornalistas.
Presente no evento, o presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Nelson Schaeffer Martins, avaliou o programa como um avanço civilizatório e afirmou que está buscando agilizar o trabalho pelo Estado, em comarcas de regiões como Litoral, Planalto e Oeste.
Já o presidente da Assembleia Legislativa, Gelson Merisio (PSD), reconheceu em Caçador que o Estado ainda enfrenta problemas com algumas empresas credenciadas pelo programa e que estavam desviando a verdadeira função do Lar Legal. Afirmou, no entanto, que o processo de regularização não pode ser afetado.
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– Temos que filtrar, expurgar quem age de forma equivocada, mas jamais perder de vista a grande importância que tem o Lar Legal para SC – afirmou aos jornalistas.
Já o Ministério Público anunciou que sairá da cooperação diante das denúncias de fraude. O MP informou que vai continuar atuando na regularização fundiária em SC, nos processos ajuizados nas comarcas, verificando a existência do diagnóstico ambiental que identifique se a área é de risco ou urbana consolidada.
Prefeituras se tornam as responsáveis
O desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e coordenador do Lar Legal, Lédio Andrade, pontua que as prefeituras que aderiram ao programa são as responsáveis pelo trabalho e pela contratação das empresas credenciadas para encaminhar a regularização fundiária.
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Se as pessoas beneficiadas ainda tiverem dúvidas, o desembargador orienta que elas procurem o Ministério Público em busca de esclarecimentos sobre os procedimentos.
Citada em reunião do programa sobre possíveis irregularidades, a empresa XPNG, uma das credenciadas pelo Estado, afirma que resolveu um problema administrativo pontual, razão para o nome da empresa estar no documento.
A empresa diz que atua normalmente no ajuizamento dos processos em 70 municípios catarinenses e ainda informou que costuma disponibilizar aos participantes do Lar Legal o número do protocolo da ação judicial para o devido acompanhamento do processo.
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DCexplica: a fraude no programa Lar Legal
O pesadelo da regularização fundiária em Santa Catarina
