Um muro invisível ainda divide o bairro Monte Cristo, na área continental de Florianópolis. Moradores da comunidade Novo Horizonte temem visitar parentes e amigos do outro lado da rua Joaquim Nabuco, na região da Chico Mendes. Revistas, ameaças e sons de tiros são rotina.

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Exatos 44 dias depois de a Polícia Militar ocupar a comunidade, não há trégua na guerra pelo controle das bocas que alimentam a cracolândia da Via Expressa (BR-282), a primeira impressão para quem cruza o limite de São José com Florianópolis. É o que a reportagem constatou ao retornar e circular pela comunidade.

A Polícia Militar intensificou o efetivo na área no início de dezembro. Os traficantes cessaram fogo o suficiente para que o comando da corporação afirmasse em entrevistas na época que a região estava pacificada e o conflito entre as gangues estava controlado.

Foram feitas cerca de 15 prisões em uma semana. A Polícia Civil chegou a apreender 2,7 mil pedras de crack em uma operação que resultou em um menor apreendido e um outro homem preso.

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No dia 11 a Secretaria do Continente promoveu um mutirão de limpeza e iluminação na região, sinalizando para uma retomada da presença da prefeitura no bairro. Mas parou por aí.

Mais duas mortes

Com a saída da polícia e da prefeitura, o conflito retomou seu curso. Uma vítima foi feita antes que acabasse 2014, em plena luz do dia: 28 de dezembro. No domingo, dia 4 de janeiro, um jovem de 15 anos foi morto com um tiro nas costas, em um campinho de futebol na Chico Mendes.

Áreas de lazer abandonadas

Neste cenário, áreas que poderiam recuperar crianças e adolescentes cooptados pelo tráfico estão abandonadas. Centro de convivência, quadra de esportes e parquinho foram tomados por mato, lixo e estão com estrutura danificada. A creche Mateus de Barros tem lista de espera que supera 100 crianças.

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Fotos: Betina Humeres / Agência RBS

Investimento social

A reportagem esteve em um espaço onde há cerca de dez anos funcionava cursos de informática, xadrez, dança e educação complementar. Hoje, está tomado por fezes humanas e com a fachada marcada por tiros. Diante do atual estado, líderes comunitários pedem que a prefeitura retome as ações sociais na região.

São pessoas que vivem há mais de 15 anos no local e testemunharam momentos de harmonia e união entre moradores da Chico Mendes e Novo Horizonte.

Museu de brinquedos achados no lixo

No mural de fotos da família fixado na parede da sala aconchegante, Lídia Almeida de Oliveira, de 59 anos, mantém uma foto em que aparece abraçada com prefeito de Florianópolis, Cesar Souza Junior.

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– Já falaram pra eu tirar. Eu botava fé nele, sabe? Mas em dois anos eu não vi nada de bom aqui para o bairro – disse.

Nascida no Oeste de Santa Catarina, Lídia desembarcou em Florianópolis em 14 de fevereiro de 1995 “com uma trouxinha e R$ 5 no bolso”. Nesse mesmo dia, recebeu do companheiro uma bonequinha de plástico achada na rua. O primeiro brinquedo da coleção a tornaria conhecida por pessoas do mundo todo.

– Nunca tive boneca na infância e a partir daquele dia eu passei a recolher – contou.

Quase duas décadas no bairro

Há 19 anos no Monte Cristo e envolvida em projetos sociais, Lídia mantém um museu de brinquedos onde a infância é cada vez mais incerta. O livro de visitas do museu tem assinaturas de visitantes norte-americanos, europeus e praticamente todos os países da América Latina.

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A sala repleta de miniaturas, bonecas e jogos garimpados do lixo é o que restou do prédio municipal onde há uma década funcionava creche, centro de educação complementar e diversos cursos para crianças, jovens e adultos.

– Todos os projetos desta sala foram abandonados. Hoje a prefeitura prefere pagar R$ 5 mil de aluguel em um outro edifício para não revitalizar aqui. Para evitar a invasão de craqueiros durante a noite, eu tenho que pedir aos piás que vendem droga para vigiar.

Uma pipa e uma arma

Apelidado de Carandirú, o prédio que serviu à comunidade hoje está invadido por famílias carentes. No final da década de 1990, o segundo andar serviu como moradia temporária durante a construção das casas que caracterizam o bairro. Ali morou por um tempo o Ivan Carlos da Luz, outra voz conhecida entre os moradores. Sentado em um balanço quebrado e tomado por mato, ele lamenta a realidade.

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– Vi estes dias um guri com uma pipa em um braço e uma arma na outra mão. É triste ver o bairro nesta situação. Crianças que não tem onde brincar, não têm atividade, acabam colocando a mão em um revólver muito cedo – disse.

Na visão dele, a prefeitura abandonou o bairro.

– Uma vez ou outra a prefeitura aparece para limpar boca de lobo e recolocar a iluminação, mas a gente não quer caridade, a gente precisa de política pública, um trabalho mais profundo com os jovens daqui – disse.

Segundo ele, a Casa Chico Mendes, projeto social que chegou a atender 300 jovens com atividades após o período escolar, atinge hoje pouco mais de 10% deste número.

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Tiro pelas costas

Tesoureira da Associação de Recicladores Nova Esperança (Aresp), Eni de Melo Cascaes tira seu sustento do lixo. Ela e a presidente Aurea do Nascimento da Silva empregam cerca de 20 pessoas, entre moradores da comunidade e vizinhos, que separam recicláveis de orgânicos em uma esteira imunda que não para. Ali a parceria com a prefeitura, por meio da Comcap, tem funcionado.

Sobre o clima de violência que continua entre as duas comunidades, Eni só tem a lamentar.

– Minha funcionária perdeu o filho com um tiro nas costas. Estes dias tivemos que fechar as portas porque trocaram tiros aqui na frente. Hoje mesmo, pela manhã, eu vi um garoto passando com uma arma, às 7h – conta ela.

Moradora da Chico Mendes, ela teme visitar conhecidos da Novo Horizonte.

– Dizem que eles cortam o cabelo. E eu já tenho pouco, tá é louco – comenta.

O que diz a prefeitura

– Em entrevista ao Grupo RBS no final de dezembro, o prefeito Cesar Souza Junior disse que os investimentos no Monte Cristo estão crescendo. Ele afirmou que vai reforçar parceria com entidades para revitalizar a região. A promessa é de construir mais uma creche ainda este ano.

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– A reportagem contatou a assessoria de comunicação de prefeitura para buscar respostas específicas sobre os pedidos da dona Lídia. As perguntas foram enviadas por e-mail na quinta-feira passada (dia 8). A reportagem também fez contato telefônico com a assessoria, reforçando os questionamentos. Até o fechamento desta edição, às 22h30min, nenhuma resposta havia sido enviada à reportagem.

O que diz o secretário de Assistência Social, Everson Mendes

– Em entrevista exclusiva à Hora no final da semana passada, o secretário, que acaba de assumir a pasta, prometeu convocar as lideranças do Monte Cristo para mapear as necessidades do bairro.

– Mendes prometeu ligar para Ivan, personagem desta reportagem e líder comunitário ainda na última sexta-feira, mas até ontem à noite, o representante da comunidade diz não ter sido procurado.

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– Em sua proposta como titular da pasta, Everson disse que pretende reforçar os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e tem como prioridade a situação dos moradores de rua. Questionado pela reportagem, o secretário não ressaltou propostas para jovens e adultos, uma das principais reinvindicações da comunidade.

O que diz a Polícia Civil

– Sobre a continuação do conflito entre os grupos de traficantes, o delegado João Adolpho Fleury Castilho, da Divisão Especializada de Combate ao Narcotráfico (Denarc), afirmou que as investigações prosseguem na região e a resposta será dada à altura o mais breve possível.

O que diz a Polícia Militar

A PM informou, por meio do 22º BPM, que as rondas na região continuam sendo feitas e garante que a situação no Monte Cristo está sob controle.

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