Confortavelmente instalado em sua cadeira no gabinete de prefeito, Elizeu Mattos (PMDB) assiste de camarote à campanha eleitoral em Lages. Em 5 de agosto, dia da definição das chapas, ele comunicou à população uma decisão que tomara dias antes: desistir de concorrer à reeleição. Apesar do desgaste político causado por sua prisão e o consequente afastamento do cargo por dez meses – entre dezembro de 2014 e outubro de 2015 – ele conta que a principal motivação para não sair candidato foi de caráter pessoal. Há dois anos e meio sua esposa luta contra um câncer. O quadro de saúde piorou justamente às vésperas da campanha e ela está internada há 40 dias no Hospital Nossa Senhora dos Prazeres.

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Por coincidência, o médico responsável pela primeira dama é filho de Antonio Ceron (PSD), principal adversário político de Elizeu. Há quatro anos, Elizeu e Ceron se digladiaram em uma eleição apertada, decidida com uma diferença de pouco mais de mil votos. Hoje, Ceron é considerado o favorito, porém nada está definido. Roberto Amaral (PSDB) e Marcius Machado (PR) correm por fora.

Amaral é apoiado por Elizeu, que diz não ter participado como gostaria da campanha. O prefeito entrou de cabeça apenas nos últimos quinze dias, chegando inclusive a escrever alguns programas. Agora, chegou o momento de aguardar para ver quem será o seu sucessor. Veja abaixo a entrevista concedida por Elizeu Mattos ao Diário Catarinense.

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Como foi a sua participação na campanha eleitoral?

Eu tive uma participação mais na reta final. Houve a desistência da minha candidatura por uma questão pessoal. Eu estou com a minha esposa hospitalizada há 40 dias em função de um câncer. Minha participação se restringiu mais a orientações. Foi um pouco tímida, mais de motivação do que na rua, propriamente. Fiz da maneira que eu pude. Acelerei um pouco mais no final, já que houve uma melhora no quadro da minha mulher, então eu consegui dar um pouco mais de atenção para a campanha. Mas não foi toda a atenção que eu poderia dar se fosse candidato.

O quadro de sua mulher foi a única motivação para a desistência?

A convenção foi no dia 5 de agosto e no dia 22 ela foi internada e continua sem previsão de alta. Eu tive que fazer uma escolha entre cuidar da família ou fazer a eleição. Eu escolhi cuidar da família. Foi nesse momento que a gente achou o caminho e decidiu apoiar o Roberto Amaral. A gente ajudou, mas não foi uma participação tão ativa quanto eu queria. Consegui me envolver mais apenas nos últimos quinze dias.

Antonio Ceron, seu principal oponente, afirmou que a atual administração arrasou a cidade. Como responde a isso?

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É um equívoco. Planta-se uma administração arrasada para ganhar votos. É aquela história: uma mentira contada muitas vezes se torna verdade. A cidade de Lages viveu uma verdadeira transformação. É o melhor momento da sua história, mesmo com a crise econômica do país. Lages cresceu. Antes de nós assumirmos não tinha um shopping. Viabilizamos com a iniciativa privada e hoje tem um shopping. Lages não tinha voo. Hoje está ligada a todo o Brasil. Lages não tinha time, não tinha estádio. O Inter não estava nem na primeira divisão do Catarinense. Lages não tinha mais (festa de) Natal. A falta de água era de décadas. Não havia obra de saneamento básico. A cobertura era de 21% e vai saltar para 52% em quatro anos. A fila de crianças fora de creche era 2,5 mil e caiu para menos de 800 e caminha para zerar. Não se falava em novas indústrias. Vão inaugurar seis indústrias até o fim do ano, coisas que fomos buscar. Foram noventa quilômetros de ruas pavimentadas. Há uma transformação visível, mas querem pregar o “quanto pior, melhor”. O grau de satisfação dos moradores de Lages está em 76%. Não tem terra arrasada. Pegamos uma dívida que chegava a R$ 70 milhões, junto com o previdenciário. Eram R$ 30 milhões de dívidas vencidas, com gente batendo na nossa porta para cobrar. Reduzimos isso tudo para menos da metade. Aumentamos os repasses para os hospitais e hoje se paga em dia. Acabamos com as filas das madrugadas nos postos de saúde. Houve uma transformação e quem fala isso não sou eu. Dados da Secretaria Estadual da Fazenda dizem que Lages foi o segundo município que mais cresceu em 2015: 3,4%. Foi o maior crescimento das cidades-polo de Santa Catarina. Joinville e Jaraguá do Sul, por exemplo decresceram.

Os dados do IBGE indicam que Lages foi a única cidade a ter a sua população reduzida nos últimos dois anos. Qual o motivo disso e como reverter?

O motivo disso é o IBGE. Tem que aparelhar o IBGE com gente qualificada para fazer censo. Fizemos um levantamento populacional da cidade com georreferenciamento esse ano e os dados nos dão uma população superior a 180 mil habitantes, não 158 mil habitantes (número da estimativa do IBGE de 2016). Como pode haver isso numa cidade que está crescendo? Em todas as cidades. Nas principais cidades de Santa Catarina, a regra é de que dois terços da população é votante, com um terço não votante. Como pode então uma cidade ter quase 123 mil eleitores e 158 mil habitantes? Os cálculos não batem. Seria um dos poucos casos de cidades onde só um quinto não vota. Quando a gente tinha 167 mil habitantes, em 2008, segundo o IBGE, havia 113 mil eleitores. Como pode subir o eleitorado e cair a população desse jeito? Lages tem hoje 57 mil contas de água. Em todos os censos, a média é de 3,6 pessoas para cada conta. Os dados do IBGE são contestáveis e foram contestados em 2010 pelo então prefeito. Eu também contesto com veemência. Os dados não batem com o cadastro de IPTU que temos na cidade. Pelo cálculo do IBGE, só 36 mil pessoas não votam. Como pode? Todo mundo vota? Não bate com os demais municípios maiores. Isso que há muitas pessoas que moram aqui e têm seus títulos de eleitores em cidades vizinhas. Dou o exemplo de Jaraguá do Sul: tem 167 mil habitantes e 114 mil eleitores. A média é de 65% a 67% de eleitores na comparação com o número de habitantes. Aqui é 77%. Alguma coisa não fecha. Temos 103 mil veículos em Lages. Daria uma média de quase um carro para cada 1,5 habitante. Não existe isso. Contestamos veementemente esses dados do IBGE, até porque são estimativas. Não se faz mais censo no Brasil. Tem prédio para tudo quanto é lado e a população está caindo? Não consigo entender isso.

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Lages é a capital regional da Serra. Mas não é tão forte economicamente como Chapecó, Joinville, Blumenau, Criciúma ou Itajaí. Existe uma forma de fazer com que Lages recupere um protagonismo que já teve?

Essa mudança já está começando. Temos hoje nossos melhores índices econômicos em 40 anos. Entre os grandes municípios, tivemos o maior crescimento econômico no último ano. É um dado da Secretaria Estadual da Fazenda. Claro que ainda há muito trabalho a ser feito, que é vender Lages logisticamente. Nós estamos conseguindo fazer isso. São seis indústrias que estão para inaugurar agora. Grandes geradoras de emprego. E também estamos lançando um condomínio empresarial multissetorial, em parceria com a iniciativa privada, na área que seria da Sinotruck. Dois grupos internacionais já demonstraram interesse em participar do processo. O condomínio vai ter capacidade de abrigar até 300 empresas. É um grande salto. Quem conhece Lages sabe que houve um crescimento. Ninguém começa a operar um voo comercial em uma cidade decadente. Já são três meses e a Azul vem registrando uma média de ocupação de quase 80%.

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Uma das principais críticas dos adversários do seu candidato é a grande quantidade de cargos comissionados. É possível diminuir?

Isso é uma grande mentira. Falaram no debate que a folha mensal dos comissionados é de R$ 2,3 milhões. Não é verdade. Nesse mês de setembro agora ela ficou em R$ 1,14 milhão. É metade do que andam falando. Hoje são 350 cargos comissionados. Para uma prefeitura do tamanho da de Lages, não é uma coisa fora do comum. Não são 500 ou 600 como andaram falando por aí. A mentira pregada várias vezes se torna uma verdade. Mas é só ir no portal da transparência. É uma mentira dizer que a prefeitura está inchada de comissionados. Existe, sim, a questão dos contratados, que é diferente. São pessoas contratadas por meio de um processo seletivo. E também vai haver um concurso público, em que vamos contratar mais de 700 pessoas.

Voltando à questão eleitoral, o fato de o senhor ter sido preso e ficado dez meses afastado influenciou na sua decisão de não concorrer?

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Não. Tanto que, se eu tivesse saído candidato, ganhava a eleição. Se influenciasse, meu candidato não estava na condição que está. E não se pode fazer prejulgamentos. Era até uma questão pessoal minha sair candidato para ser julgado pelo povo. Só não fui pela questão familiar.

E qual o seu futuro político? Pretende voltar para a Assembleia?

Meu futuro é cuidar da minha mulher e das minhas crianças.

O senhor vai deixar a política?

Não sei. Eu sofri demais com essa questão política. Não me deixaram trabalhar. Eu resolvi a falta de água e fui preso. Fiz uma companhia que não tinha esgoto nem água e paguei um preço muito alto. Por ser ousado. Tentei transformar essa cidade e transformei. Com todas as dificuldades e empecilhos, fiz uma contribuição muito grande para Lages. O transporte público nunca tinha sido licitado e eu licitei. A Festa do Pinhão nunca tinha sido licitada e eu licitei. O sistema de água era contrato emergencial e eu licitei. Licitei o lixo. Regularizamos um monte de coisas. Quem vier depois de mim vai pegar uma cidade boa. Eu queria entregar ainda melhor, mas vou entregar as contas melhores do que quando peguei. Queria entregar zerado. Se não houvesse esse afastamento, estaríamos entregando a prefeitura sem dívida nenhuma.

Como foi esse período de afastamento?

Eu me afastei por completo. Em dez meses, não tive ingerência nenhuma. Nem conversava com o Toni (Duarte, vice-prefeito). Mas eu consegui enxergar algumas coisas. Você só vê que a sua casa precisa de pintura do lado de fora. Isso que foi mais importante. Mas é importante dizer que eu tenho todas as minhas contas aprovadas. E foi feita uma auditoria cinco dias depois do meu afastamento e não foi encontrado nada.

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Como serão os últimos três meses da sua gestão?

Vou trabalhar e deixar a prefeitura muito melhor do que peguei. Renegociamos as dívidas. Se não fosse a crise, queríamos estar zero a zero. O sucessor também vai pegar uma prefeitura com aumento da arrecadação própria. A questão previdenciária também está regularizada.

E a transição?

Tranquilo. Não sou apegado ao título de prefeito, tanto que ninguém me chama assim na rua.