Soube há pouco, ao retornar de Tubarão, da morte do meu respeitado amigo Júlio Queiroz. Inacreditável! Ele me disse, há cerca de 30 dias, que o seu desafio era vencer um problema de coluna. É uma perda inenarrável se mensurarmos o que esse intelectual produziu em nível de conhecimento.
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Em certa tarde, subi as escadas da sua bela casa, no alto do bairro José Mendes, na Prainha. E dele ouvi muitas histórias, sobre a sua vinda para Santa Catarina. Fantásticas!
Morre o escritor Júlio de Queiroz, membro da Academia Catarinense de Letras
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Ao retornar da Alemanha, onde realizou estudos de filosofia, Júlio foi convidado a trabalhar em Brasília. Atuou no Ministério de Relações Exteriores e acabou sendo transferido para o Ministério da Fazenda, sob as ordens do ministro Delfim Netto. Foi chamado pelo chefe de gabinete do ministro com o argumento de que ele, Júlio, seria um conhecedor da língua germânica. Ao chegar no gabinete bastou se identificar para ser introduzido no gabinete de Delfim.
O ministro baixou os óculos, sem cumprimentar, indagou-lhe:
– Você sabe mesmo falar o alemão?
– Não só sei como estudei profundamente a sua estrutura linguística, ponderou Júlio.
Delfim, soberbo, jogou um punhado de folhas sobre a mesa e exigiu:
– Pois então traduza isso para o alemão.
Júlio aproximou-se da mesa e viu que se tratava de, no mínimo, 60 folhas datilografadas.
– Qual o prazo, senhor ministro?
– Para amanhã.
– Impossível, senhor.
Delfim atirou os óculos no chão, numa atitude de reprovação ao que dissera Júlio. Mas este pensou apenas meio minuto para atirar os seus óculos na mesma direção. Delfim franziu a testa, observando que a ação de Júlio consignava que cada um teria de juntar seus próprios óculos. Manteve-se de pé, sem olhar para Júlio, e sentenciou:
– O senhor pode escolher o órgão para o qual quer ser transferido. Mas neste ministério não fica.
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Cabisbaixo e quase chorando, Júlio deixou o gabinete e se dirigiu à sua sala. Pensou na hipótese de trabalhar em Porto Alegre, onde havia amigos. Mas preferiu pegar o avião e ir para o Rio de Janeiro ouvir conselhos do pai.
Sentado em um banco do aeroporto, Júlio viveu uma aflição decorrente de um momento inexplicável, quem sabe com a causa encrustada na arrogância do senhor ministro. De repente, uma pessoa surge à sua frente:
– Ué, doutor, Júlio, o que faz aqui?
Júlio levanta a cabeça e sorri para o doutor Colombo Salles, com que trabalhara na prefeitura de Brasília. Levanta-se, cumprimenta-o:
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– Doutor Colombo, que bom vê-lo. E contou-lhe o seu drama.
– Meu amigo, deixa isso pra lá. Acabo de ser nomeado governador de Santa Catarina. Pega o avião e se manda pra lá. Preciso de você. Entendeu? Preciso de você em Florianópolis.
Júlio chorou. Abraçou Colombo Salles e limitou-se a dizer: ¿sim, com certeza, vou pra lá¿.
Pela sua competência e capacidade de refletir sobre um tema, Júlio permaneceu por vários governos, produzindo inovação e as suas obras. É autor de mais de 25 livros, entre os quais há uma que se esgotou e que há pedidos de reedição: Além das Cortinas da Alzheimer, magnifica reflexão com exemplos sobre essa doença. Mas suas escritas tratam de uma sociedade que vive o conflito de suas contradições. Informes a Narciso, Placidin e os Monges e tantas outras obras ensejam uma compreensão fantástica do mundo enigmático em que vivemos.
Júlio deixou-me uma obra inédita. Eu lhe disse, recentemente, que essa publicação será mais uma homenagem merecida. Ele, com seu sorriso leve, respondeu: ¿Não mereço, mas vou ficar muito contente¿.
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Júlio era assim, um intelectual humilde, de fé e que só desejava enxergar sorriso. ¿A vida não pode ser triste¿, salientava.
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