O impasse com as cerca de 30 famílias indígenas acampadas em José Boiteux esteve perto do fim após uma série de reuniões entre outubro e dezembro do ano passado. Os acordos firmados com os governos estadual e federal garantiram a operação da Barragem Norte, vital para as cidades do Vale do Itajaí durante os períodos de cheias. Mas, o descumprimento de prazos ameaça mais uma vez o uso do equipamento.
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– Ainda estamos aqui esperando uma resposta. Se chover, eu quero ver se eles terão coragem de vir e fechar a barragem, porque não cumpriram com a promessa. Nós não iremos deixar – diz João Patté, uma das lideranças no local.
Defesa Civil se reúne com índios de José Boiteux para tentar desocupar a Barragem Norte
Os indígenas reivindicam a entrega de 35 casas emergenciais, melhoria nas estradas e construção de uma escola na aldeia. O cacique presidente Setembrino Volém Camblé lembra que o último acordo foi feito em dezembro na sede da Funai em Florianópolis e garante que a maioria do estabelecido ainda não saiu do papel.
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As obras de terraplanagem para a construção das casas emergenciais, por exemplo, deveriam ter começado em janeiro, com prazo de 90 dias para a conclusão das habitações, mas as máquinas ainda não começaram a trabalhar.
Outro problema é a educação. Os indígenas afirmam não se sentirem confortáveis com o ensino aplicado na escola mais próxima do acampamento – no Centro de José Boiteux – onde teriam que dividir as classes com alunos não-indígenas. Mais de uma dezena de crianças e adolescentes passam pelo problema. É o caso de Elian Patté, 18 anos, da aldeia Plipatolo. Ela sonha cursar Pedagogia e trabalhar com a educação do povo indígena Laklãnõ-Xokleng, que habita parte da zona rural de José Boiteux. Na região moram cerca de três mil indígenas de diferentes etnias: Xokleng, Kaingang e Guarani. Os planos foram interrompidos no terceiro ano do Ensino Médio.
Desentendimento com os não-indígenas
Paralelo a isso, indígenas e não-indígenas da região travam uma batalha por terras. Há relatos de invasões, saques e cortes de árvores. O agricultor José Pires, 76, afirma que na última segunda-feira indígenas teriam invadido sua residência na região de Barra Dollmann, na zona rural de José Boiteux, onde mora com a esposa há seis anos.
– Entraram na madrugada e precisamos fugir e pedir ajuda na casa do vizinho. Não consigo nem mais dormir à noite para cuidar das minhas cabeças de gado – relatou. O cacique Setembrino não respondeu diretamente à questão, mas garantiu que 724 hectares na área da barragem teriam sido indenizados pelo governo federal, o que daria direito aos indígenas de ocuparem a região.
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A disputa está no Supremo Tribunal Federal desde 2007. Quem comprou terrenos espera demarcação. Já os índios aguardam receber de volta o que perderam quando a Barragem Norte começou a ser construída, no fim da década de 1970. Em 2003, o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos assinou portaria ampliando as terras indígenas de 14 mil para 37 mil hectares. Os 23 mil extra compõem áreas adquiridas por agricultores, que hoje subsistem do espaço.
Dois anos de vida no improviso
Cerca de 30 famílias vivem na Barragem Norte há dois anos e improvisam alternativas para ter o mínimo de conforto enquanto aguardam as novas residências. De um lado da barragem há cerca de cinco barracos e do outro, 10. O acampamento abriga as pessoas desde que as chuvas atingiram o Vale do Itajaí em junho de 2014. Em um dos barracos erguido em madeira e protegidos com telhas mora a jovem Elian Patté e mais sete pessoas que dividem o espaço simples de apenas dois cômodos. A ligação da luz é feita na barragem e a água é extraída de um poço. O banheiro é comunitário e afastado das residências. Mesmo não estudando atualmente, não abandona a ideia do Ensino Superior.
– Pensava em me especializar em Direito Indígena para trabalhar pelo meu povo, mas teria que sair daqui para atuar. Quero sair, estudar e voltar para continuar trabalhando com o meu povo como professora – projeta.
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Vídeo: Entenda por que os índios ocupam a barragem
O acordo
Desde junho do ano passado a comunidade indígena vinha reivindicando casas, reforma da escola, demarcação da área da reserva, melhorias nas estradas de acesso à comunidade e construção de uma ponte. Em reuniões promovidas em outubro e dezembro do ano passado entre a Secretaria de Defesa Civil do Estado, Ministério de Integração Nacional, Secretaria de Governo da Presidência, Caixa Econômica Federal, Secretaria do Patrimônio da União de SC e Funai os principais acordo foram:
Casas
O documento assinado em 1º de outubro de 2015 previu a construção de 17 casas emergências para a comunidade indígena. No documento, a terraplanagem da obra estava prevista para começar em janeiro deste ano. O tópico ainda mencionava que o número de construções poderia ser maior, caso fosse detectada a necessidade.
Em outra reunião, desta vez em dezembro de 2015, as partes acordaram que seriam erguidas 35 casas emergências – com prazo de inicio das obras mantido para janeiro de 2016 e previsão de conclusão para no máximo 90 dias – e outras 102 residências definitivas. Para essa última parte, seria feito um estudo técnico e consultada a possibilidade de financiamento pela Caixa Econômica.
Estradas
Foi acordado, em dezembro de 2015, a melhoria imediata de cinco quilômetros mais críticos das estradas da terra indígena. Ao todo, seriam 55 quilômetros de estrada em José Boiteux.
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Ponte
Na reunião de outubro não foi prevista a construção de uma ponte sobre o rio Dollmann. Já na reunião de dezembro foi pontuado que não haveria condições para prever esse tópico no acordo, já que seria preciso buscar recursos em outras instâncias. Por fim, foi acertado que o Ministério de Integração garantiria recursos a partir deste ano para viabilizar um estudo que contemplasse estradas, pontes e outras medidas compensatórias.
Contrapontos
Defesa Civil de SC
Através da assessoria de imprensa, a Defesa Civil do Estado informou que a primeira parte do acordo firmado em outubro do ano passado entre o governo federal, a Funai e o Ministério Público Federal – que compreende na demarcação de áreas de segurança da barragem – já foi cumprida. Entretanto, a segunda fase – que é a construção de casas emergenciais, da via pública e de uma ponte – está pendente. O atraso na entrega das obras previstas para começar em janeiro se dá por conta da ausência de um documento, que precisa ser emitido pela Funai. Esse documento permitiria que a Defesa Civil fizesse as melhorias acordadas nas terras federais. Conforme a assessoria, os responsáveis pelo assunto dentro da Defesa Civil estariam em contato com representantes da Funai, mas por conta de troca de gestão o processo teria ficado ainda mais demorado.
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Funai
Contactada por telefone, a assessoria de imprensa do órgão pediu que os questionamentos fossem encaminhados por e-mail. A autorização é considerada uma demanda da área de empreendimento e, por isso, a área técnica precisaria ser consultada. Até o fechamento da edição, a Fundação não retornou para se posicionar sobre o assunto.
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Agência de Desenvolvimento Regional de Ibirama
Responsável também por José Boiteux, a Agência de Desenvolvimento Regional (ADR) de Ibirama tem acompanhado de perto a situação escolar das crianças indígenas da comunidade Laklãnõ-Xokleng. Segundo o secretário executivo da regional, José Adalcio Krieger, em nenhum momento foram negadas matrículas de integrantes da comunidade no colégio estadual João Bonelli, na localidade de Barra Dollmann. O que aconteceu, conforme Krieger, foi que, como a estrutura física da João Bonelli não comporta todas as crianças, muitas delas foram deslocadas para a Clemente Pereira, que fica no Centro de José Boiteux.
– O projeto é manter esses alunos na Clemente Pereira até conseguirmos construir as salas modulares na reserva. Não estamos negando matrícula. Acolhemos muitos alunos, mas a João Bonelli não tem como acomodar todas as crianças. Entendo a angústia dos pais, mas estamos correndo para resolver essa situação o quanto antes – garantiu ao prever que a questão deve se resolver até o fim do primeiro semestre. Krieger ainda diz que a ADR assumiu a responsabilidade de construir a nova escola para poder acelerar o processo, tendo em vista que, originalmente, quem responde por esse assunto é a Secretaria de Estado da Educação, em Florianópolis.