Autora de uma série de livros sobre casos policiais, a escritora paulista Ilana Casoy é referência quando o assunto são mentes criminosas. Ela já acompanhou de perto e escreveu sobre episódios de repercussão nacional, como o do casal Nardoni na morte da menina Isabella e de Suzane Richthofen no assassinato dos próprios pais.
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Suspeito de assassinatos em série em Caçador confessa segundo homicídio
Procurada pelo DC, Ilana disse já ter conhecimento dos crimes praticados no mês de abril em Caçador, no Meio-Oeste de Santa Catarina. A polícia da cidade prendeu e ainda investiga a atuação de Fábio da Silva, 22 anos, autor confesso de pelo menos dois assassinatos: Lucas Pereira e Clarisse de Andrade tiveram os corpos esquartejados e enterrados após perderem a vida.
“Acredito que estamos diante de um serial killer”, diz delegado
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Trata-se de um serial killer, diz a polícia, que prepara uma segunda reconstituição dos acontecimentos para a próxima semana, desta vez com a participação do suspeito. Para Ilana Casoy, a linha de investigação é acertada porque já existem indícios suficientes.
Polícia Civil faz reconstituição de crime de possível serial killer em Caçador
Mas a criminóloga alerta que é preciso atestar o estado mental do suspeito antes de se tirar conclusões definitivas e que o ato de esquartejamento não representa, necessariamente, um ritual — característica necessária para definir a atuação de um serial killer.
Entrevista
Diário Catarinense – Como você teve conhecimento dos crimes em Caçador?
Ilana Casoy – Tenho uma página no Facebook, a Crimes S/A. Fazemos pesquisa sobre os crimes que são notícia para divulgar ou comentar. Por coincidência, dei uma palestra em Caçador sobre esse assunto (em setembro passado, numa universidade). Logo que aconteceu, alunos da cidade me avisaram porque estive lá falando sobre esse tipo de crime.
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DC – A confirmação de dois assassinatos atribuídos ao mesmo autor, com as mesmas características, basta para classificá-lo como um serial killer?
Ilana – Pessoas com doença mental chegam a assumir crimes que não são delas por diversos motivos. E pessoas que não são doentes também podem fazer isto diante de certas circunstâncias. É preciso verificar o estado mental deste indivíduo e se existem outras provas, além da confissão, de que ele possa ter assassinado aquelas pessoas. O fato de ele ter participado do assassinato do pai (responde por ocultação de cadáver, crime de 2013), por si só, não determina um comportamento de crime em série. Crimes de família são bastante específicos quanto à motivação. Quando há indivíduos que romperam a linha de família, encontramos históricos diferentes que não justificam, mas podem explicar melhor aquele descontrole.
DC – A avaliação mental é imprescindível nesse caso?
Ilana – Precisamos entender se ele tem condição mental e se a afirmação dele encontra base pericial. Precisa haver coerência entre o que se acha na perícia e o que é relatado. Mas, sim, a partir de duas vítimas nós podemos considerar que seja um assassino em série se esses crimes envolverem algum tipo de ritual. Esquartejamento nem sempre é um ritual. Alguns assassinos esquartejaram por ser um modus operandi para dificultar o encontro do cadáver e não é exatamente um ritual com necessidades psicológicas. Mas, se for parte do ritual, sempre e repetidamente, aí pode ser considerado serial killer.
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DC – A brutalidade dos crimes é um indício de pura crueldade ou doença mental?
Ilana – Para o assassino em série, a vítima é um símbolo daquilo que ele quer matar. Ele não quer matar a pessoa propriamente. Não é pessoal. Em geral, quando isso acontece as mutilações acabam tendo coerência com o histórico do indivíduo. Ainda não temos conhecimento do histórico do Fábio. Está em fase de inquérito. Se for concedido o exame mental, o exame vai trazer a anamnese, que é um histórico dele, tudo o que aconteceu desde o nascimento. Então poderá ficar mais claro o que poderia levar a essa violência crescente como também o que significaria para ele esse tipo de mutilação.
DC – O suspeito admite ter gravado ao menos uma morte. O que essa exibição pode representar?
Ilana – Muitos assassinos registram seus crimes para poder revivê-los, ter como diário. Cada um tem seu troféu. Mas já foi visto esse vídeo? Se enxerga que é ele? A polícia está certa, há dados para que crime em série seja uma linha de investigação. Mas ainda está na fase de investigação, é difícil ter respostas nessa profundidade de análise. Quanto melhor for a investigação, melhor será a análise.
DC – O comportamento homicida vem do nascimento ou pode mudar conforme um acontecimento?
Ilana – Uma coisa é comportamento criminoso, outra é diagnóstico mental. Não dá para pegar um comportamento criminoso e, através dele, fazer um diagnóstico psiquiátrico. Para o diagnóstico psiquiátrico é preciso um exame de sanidade mental. Não é porque supostamente mata o pai, esquarteja ou comete crimes em série que seja um doente mental. Precisamos de profissionais desta área específica para o diagnóstico de condição mental. Uma facada ou 17 facadas não servem de diagnóstico. Serial killer é uma definição de comportamento criminoso, assim como ladrão, estelionatário. Quando falamos em psicopata ou esquizofrênico, estamos falando de diagnóstico psiquiátrico. É comum se associar uma coisa à outra.
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DC – A investigação de Caçador reconhece que a equipe é pequena. Em se tratando de um possível serial killer, isto exigiria abordagem especializada?
Ilana – Quanto mais a polícia conhece do assunto, os interrogatórios são melhor planejados, se pode chegar em um nível profundo de informação. Porque não é um criminoso como os demais. Mas o Brasil não tem dinheiro para manter em seus quadros policiais pessoas especializadas em crimes tão raros. Não justificaria a polícia de Caçador ou de qualquer outro lugar pagar um profissional que seria aproveitado eventualmente. Crimes em série são raríssimos. É normal que a polícia não tenha essa especialidade.
A definição de Ilana Casoy para serial killer:
Pode ser definido como assassino em série aquele que comete dois ou mais assassinatos, envolvendo ritual com mesmas necessidades psicológicas, mesmo que com modus operandi diverso, caracterizando no conjunto uma ¿assinatura¿ particular. Os crimes devem ter ocorrido em eventos separados e em datas diferentes, com algum intervalo de tempo relevante entre eles. As vítimas devem ter um padrão de conexão entre elas; a motivação do crime deve ser simbólica e não pessoal.
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