Mariana Goulart, Especial
Chegamos ao tempo em que resgatar antigos costumes é uma boa alternativa para solucionar velhos problemas. Uma das tarefas mais difíceis, e que exige tempo e dedicação, é educar os filhos. A escolha entre uma educação rígida, com normas e limites, como os antigos defendiam, se confronta com uma maneira altruísta, em que as crianças ficam no poder e garantem mimos e vontades. Mas, afinal, qual é o melhor caminho? De que forma o comportamento dos adultos influencia a educação infantil?
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Os filhos geralmente se espelham no comportamento dos pais, mas é uma ideia equivocada achar que todos os problemas e, principalmente, o que as crianças fazem de errado seja culpa da mãe e do pai. E talvez isso passe despercebido, em meio a uma vida tão agitada e cheia de afazeres. Também é difícil entender que as necessidades das crianças, atualmente, são diferentes daquelas que todos vivemos anteriormente. Isolar os conflitos e vivências da infância de cada pessoa é algo desafiador. Tampouco as crianças filhas dos mesmos pais são iguais, ainda que carreguem carga genética similares; muitas vezes elas precisam ter tratamentos diferenciados.
Em meio a tantos questionamentos, como educar as crianças, com rigidez ou flexibilidade? Atualmente, um dos grandes dilemas das famílias é a falta de limite. Conseguir dizer ¿não¿ para uma criança que vive um cotidiano carregado de estímulos está mais trabalhoso. É melhor ceder a todas as vontades das crianças para agradá-las ou saber dizer não na hora certa?
Como ser forte e transmitir aos filhos o que é aceitável, adequado e essencial? Muitos pais cedem por comodismo, porque superficialmente parece mais fácil dizer sim às crianças, sem pensar que isso pode acarretar danos futuros. A frustração dos filhos traz sofrimento aos pais, que distorcem a realidade, sem deixar que as crianças façam suas escolhas e aprendam suas consequências de forma sadia.
Interagir com a vida ao redor é fundamental para a criança. Dalila Amorim Simas, 60, coordenadora do Centro de Educação Infantil Criarte, defende o uso da metodologia Sociointeracionista, que busca a interação do sujeito com o meio social no qual ele está inserido, contribuindo para a construção do seu conhecimento. Segundo Dalila, com essa construção, o aluno é capaz de interagir com o grupo através da mediação do professor, enriquecendo e ampliando sua aprendizagem, formulando ideais e hipóteses particulares que resultam em um trabalho de criação e significado.
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Sobre birras e desrespeito, Dalila diz que a conversa e a reavaliação sobre o que foi combinado com a própria criança entram em ação. A professora fala em voz baixa e fica na mesma altura da criança, demonstrando a ela segurança e repetindo o que ficou combinado para a execução e a continuação da proposta de trabalho.
– Quando precisamos conversar com os pais, a respeito de qualquer assunto e sobre seus filhos, realizamos uma conversa informal, assinalamos os pontos positivos e os que necessitam de reforços, respeitando cada caso e cada criança -explica Dalila.
A tecnologia trouxe momentos cômodos para os pais, porém, traz consequências para as crianças, já que deixam de interagir totalmente com o meio social. Como as crianças podem entender que é permitido usar a tecnologia em casa, para se distrair, e serem reprimidas na sociedade? Simone Almeida, 42, sócia e administradora do Criarte, fala sobre esse problema atual.
– Alguns pais que em casa são permissivos demais com os seus filhos para não serem incomodados, podem fazer as suas tarefas e assistir a seus programas sossegados, liberam televisão, eletrônicos como iPad, aplicativos como Netflix, jogos de videogame como Nintendo, jogos no celular. Tudo sem qualquer limite para crianças de 3, 4, 5 anos. E, quando estão na escola, entre amigos ou família, os pais ficam envergonhados em virtude das atitudes e da falta de limite, que deveria começar em casa. Algumas vezes os pais cobram que a escola ensine coisas básicas, mas essas coisas só vão funcionar se houver exemplo em casa – conclui.
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Em outros tempos
Ouvíamos os mais velhos relatarem que a educação nas escolas era rígida e sofrida. Palmadas, castigo e muitas outras formas de punir as crianças dentro das escolas. Após décadas de estudos e conscientização sobre os efeitos das palmadas e da própria violência infantil, as crianças ganharam voz, tornando-se mais livres para brincar e fazer suas escolhas.
De repente, tudo o que as crianças faziam de errado tornou-se culpa dos pais, da falta de atenção com os filhos por causa do trabalho e da vida corrida. Será que quando um problema ocorre com uma criança a culpa é da sua criação, ou a escola tem alguma parcela de responsabilidade? Luciana Amorim de Lima, 38, pedagoga e proprietária da Escola Infantil Primeiros Passos, afirma que a educação é uma relação constante entre a instituição e a família, e os limites devem ser dados tanto em um ambiente quanto em outro.
– De nada adianta a escola estabelecer rotinas e limites se os pais não dão os mesmos limites em casa – alerta a pedagoga.
O principal para Luciana é a rotina, que tem extrema importância para as crianças, já que é ela que estrutura as ordens morais e formais. Na sua escola, Luciana convive com crianças de até quatro anos, e pontua que os momentos de birra são comuns na educação infantil, afinal, as crianças estão aprendendo a dividir com outras crianças a atenção que normalmente em casa é só delas.
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Segundo a pedagoga, o professor deve interferir e procurar conversar, mostrando para a criança o que não está correto. E lembra que o mais importante nessa fase é brincar, para as crianças desenvolverem suas atividades motoras, cognitivas e psicológicas.
– Na escola trabalhamos com bases construtivistas, com ênfase em Vygostky. Uma das principais características da linha de trabalho desse autor é a defesa da ideia de que o sujeito não nasce pronto, ele é resultado de uma interação permanente entre os processos internos e as influências do mundo exterior. Nosso objetivo é levar a criança a explorar e descobrir todas as possibilidades de seu corpo, dos objetivos, das relações e, através disso, desenvolver a sua capacidade de observar, descobrir e pensar – enfatiza a profissional.
Geração supermães
As mães e pais estão cada vez mais preocupadas em agradar seus filhos, dar-lhes o melhor, e até certo ponto exageram na dose de mimos e cuidados, sem limites sólidos. No cotidiano atual, as crianças estão ligadas à tecnologia, aos estímulos visuais e à velocidade de informações. Dessa forma, as comodidades tecnológicas acabam se transformando em itens indispensáveis nas listas dos pais, e aqueles que não as alcançam se sentem frustrados e incompletos.
Hoje, as mães se dividem entre as tarefas maternas, a vida profissional e a vida amorosa. Para amenizar a ausência no lar, muitas mulheres se excedem em mimos e em ceder às vontades dos filhos, acabando sem tempo para descansar e realizar suas próprias vontades.
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Mal abrem a porta de casa e já saem correndo para fazer as tarefas domésticas, para ler uma história, sem ao menos sentar cinco minutos e relaxar. Trabalhar, ser uma ótima esposa e mãe de três filhos meninos.
Milena Luísa, 35, publicitária e blogueira, desde seu primeiro filho definiu uma meta para a sua vida: mesmo com as prioridades da maternidade, seus filhos fariam parte da sua vida, mas ela não se anularia em função deles. Milena e o marido criaram rotinas bem claras, com tempo para se dedicar aos filhos e para ser um casal. Em casa, os meninos têm horário para deitar, horário para ver televisão, dias definidos para usar o tablet, ver desenho na TV da sala, entre outras atividades.
Entre todas as tarefas e prioridades, Milena ressalta algumas importantes, como respeito aos mais velhos, aos professores e aos colegas na escola. O casal estimula a conversa sincera, para que eles se sintam à vontade para contar sempre a verdade. Mesmo com tanta democracia em casa, Milena não abre mão do bom e velho ¿cantinho do pensamento¿, para que tenham consciência de que algo não está correto. Os três meninos dormem no mesmo quarto e, mesmo com idades diferentes, aprendem a respeitar os irmãos e a dividir as decisões:
– Praticando em casa, eles levam para a rua esse respeito. Entendemos que a educação vem do entendimento, que as coisas precisam fazer sentido, e não faz sentido ¿passar¿ por cima dos desejos ou das necessidades dos demais para satisfazer a deles. Principalmente quando falamos de uma família relativamente grande como a nossa – diz.
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Projetar uma criação para os filhos pode ser uma grande utopia. Seguir modelos e delinear limites, antes mesmo de os filhos nascerem, é bem diferente da vida real. As crianças se comportam de maneiras distintas, cada uma dentro de suas possibilidades e limitações. Existem crianças que se adaptam facilmente às regras e outras avessas ao comportamento linear.
Agora Sou Mãe
Acreditar num modelo sem muito manual e com bom senso é o lema da blogueira e empresária Bia Mendes. Autora do blog Agora Sou Mãe, Bia, 29, divide seu dia a dia com os leitores, falando dos grandes desafios da maternidade e das provações diárias. Bia acredita que os filhos são criados para o mundo, que os pais têm a tarefa de ensiná-los a resolver seus próprios problemas e frustrações, com muita conversa e paciência.
O filho Dudu, de três anos, convive com regras diárias, como ir ao supermercado e ter estabelecido o que vai ganhar, caso contrário haverá punição, como deixar de brincar com algo de que goste. Bia comemora:
– Tenho o cantinho do pensamento em casa, onde ele fica por alguns minutos quando faz algo errado, mas confesso que uso pouco essa opção; normalmente ele obedece antes de precisar ir pra lá.
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Bia diz não fazer o tipo mãe boazinha, nem mesmo a durona, embora seja uma mãe amiga, porém dura na hora de cobrar quando precisa.
– Acho difícil definir uma postura ou rotular o que é correto na hora de educar. Sou contra os extremos e a favor do equilíbrio. Claro que precisa ter firmeza, mas não acredito que carinho demais ¿estrague¿ a criança, como já ouvi algumas pessoas falarem. Limite na hora certa, carinho e diálogo. Crianças são mais compreensivas do que a gente imagina – afirma.
Ao contrário de décadas passadas, as famílias estão cada vez menores. Envolvendo condições financeiras e também a atenção a uma única criança, as pequenas famílias se formam por opção dos casais, que preferem investir na educação, na saúde e no bem-estar do filho único. Foco das atenções, a criança passa a ser a prioridade, o que não implica em mimos exagerados e acumulativos.
A empresária Jennifer Tedesco, 30, mãe de Eduardo, de três anos, acredita em limites e regras, embora conviva com pais que se sentem frustrados por serem ausentes. Jennifer educa o filho com os pés no chão e muito carinho e não pensa em ter outros filhos.
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– Eu acredito que a educação mais rígida, com limites mais evidentes, seja o caminho para uma educação correta e adequada. Acho que os nossos filhos estão vivendo a era dos pais ausentes, e isso faz com que nós, pais, eduquemos nossos filhos de um jeito errado para suprir essa ausência, criando sem limites e valores – defende.
O sonho da maternidade também não impede as mulheres de traçarem objetivos. Aline Flor Sponholz, 35, sempre quis ser mãe. Administradora de empresas e coach empresarial, traça metas e objetivos para suas clientes todos os dias. Em casa, com sua filha única Julia, de seis anos, não é diferente. Julia começou a ir para a escolinha cedo, para que Aline pudesse trabalhar.
– A disciplina é excelente para todos! Manter os horários das nossas necessidades básicas como comer, dormir, é fundamental para pais e filhos. Como mãe busco inserir uma rotina de compromissos, mas com propósito, caso contrário não é saudável. A criança precisa de tempo para se desenvolver, brincar, criar e aproveitar a sua idade. Pular etapas não vai ajudar em nada, pelo contrário, pode fazerem as crianças terem crenças distorcidas.