A aposentada Tânia Regina de Souza, 62 anos, sempre admirou o trabalho de um oleiro – o profissional que produz cerâmica e artesanato de barro. Tinha peças em casa e uma vontade enorme em aprender a arte, mas a vida corrida e o tempo curto a impediram. Foi com a aposentadoria que o desejo saiu do papel neste ano. Tânia se inscreveu para ser uma das alunas da Escola de Oleiros Joaquim Antônio de Medeiros, de São José, na Grande Florianópolis, a única deste tipo no país. Hoje, aprende a fazer modelagem e peças figurativas com as próprias mãos.

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– Eu fico pensando: por que não dei um jeito para ter começado a fazer o curso antes? – revelou, enquanto moldava, concentrada, peças de argila.

A escola Joaquim Antônio completa neste mês 25 anos de história, tradição e repasse de conhecimento. De acordo com um dos professores da casa, Ilson Roberto dos Santos, 60, devem ter passado por ali entre 100 e 180 alunos por ano. Em 2017, este número chegou a 200.

Ilson tem uma importante ligação com a escola. Morador nativo do bairro onde a instituição está localizada, a Ponta de Baixo, ele é neto e filho de oleiro. Seu pai, Onildo Ricardo dos Santos, o famoso Duca, foi um dos idealizadores da escola. No início da década de 1990, ele sentiu que era necessário passar os ensinamentos da olaria para outras pessoas, já que muitos filhos de oleiros não estavam mais seguindo a profissão.

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Junto da professora Mariângela Leite, Duca conseguiu aprovação da prefeitura para a criação da escola, em 30 de novembro de 1992. A estrutura escolhida foi a antiga olaria de Luiz Joaquim de Medeiros, por onde passaram diversos oleiros da cidade, contou Ilson. Esta olaria foi aberta em 1945. Naquela época, conta o professor, a Rua Frederico Afonso abrigava outras 22 olarias.

– A principal renda dos moradores da região era a olaria ou a pesca. A maioria dos oleiros fabricava utensílios que eram vendidos no Mercado Público de Florianópolis – explicou.

Para transformar a antiga olaria numa escola, foi preciso uma ampla reforma no espaço e a profissionalização dos professores. Ilson, que foi chamado para dar aulas quando seu pai resolveu se afastar e se aposentar de vez, voltou para a sala de aula e se graduou em Pedagogia, para prestar melhor assistência aos alunos.

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– Foi muito importante a nossa formação. Sei que assim teremos mais e melhores condições de ensinar as pessoas do que meu pai, por exemplo, que sabia a técnica da olaria, mas que não tinha conhecimento nas técnicas de aprendizado – observou Ilson.

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Neto, aluno e professor

O professor Luciano da Silva, 42, passou a infância correndo pelos terrenos da então olaria do seu Joaquim, muito antes de ela virar uma escola. Viu seu avô, José de Souza, fazer peças e utensílios, mas acabou não seguindo a carreira. Seu pai já não seguia o caminho: trabalhava na construção civil, área que Luciano também chegou a atuar. Foi um amigo, artista plástico, que o instigou a assumir as raízes, quando ele tinha 22 anos.

– Ele queria muito conhecer a escola de olaria e trouxe-o para conhecer os cursos. E acabei fazendo com ele. Faz 20 anos que virei oleiro. No ano 2000, meu avô, que era professor, me chamou. Disse que iria abrir concurso para professor temporário, e que eu deveria tentar. Fiquei três anos como ACT, até que fiz concurso e hoje sou efetivado – explicou Luciano.

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Além de professor, Luciano é um oleiro de mão cheia, tanto na mesa, onde são feitas as peças mais delicadas, ou na roda, onde se usa as mãos e os pés e são feitos vasos maiores e os utensílios de cozinha, como panelas.

Tradição como terapia

Se, antigamente, a olaria era uma das principais fontes de renda para dezenas de famílias de São José, atualmente, a escola de oleiros não só realiza os cursos para interessados em aprender uma nova arte e ganhar um dinheirinho extra, mas também funciona como uma forma de terapia.

A aposentada e moradora de São José Maria Gonçalves, 55, tentava uma vaga na escola há pelo menos três anos. Mas sempre perdia os dias das inscrições. Até que, motivada a fazer algo novo e afastar um quadro depressivo, programou-se e foi a primeira a fazer a inscrição para o curso de roda de oleiro neste ano.

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– Foi o meu médico quem me sugeriu procurar a escola de oleiros. E posso garantir: foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida. Quando eu estou aqui, quando eu vejo as minhas mãos dando forma para a argila, eu esqueço que tenho problemas. Eu me transformei em outra pessoa desde que entrei no curso – explicou.

A rotina de Maria não é feita só do trabalho que desenvolve e a arte que aprende. Ela afirma que estar na escola, com um professor como o Ilson, que tem paciência e carinho pelos alunos, é gratificante e relaxante.

A publicitária Renata Xavier, 35, também procurou a olaria como uma forma de desestressar. Moradora do Abraão, na Capital, ela está na escola há dois meses e afirma que não se arrepende de ter tomado a decisão de aprender a mexer com barro.

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– Eu trabalho em casa, e o trabalho, às vezes, pode ser muito pesado. Queria fazer algo que me fizesse pensar em outras coisas, que me tirasse um pouco de casa também – conta Renata, que garante estar adorando.

Reconhecimento – Na semana passada, a escola de oleiros foi reconhecida com o Troféu Açorianidade 2017. Vencedora da categoria Instituição de Ensino/Cultural, a premiação foi entregue na terça-feira, no lançamento oficial da 24ª Festa da Cultura Açoriana de Santa Catarina (Açor), que este ano ocorrerá em Palhoça, na Enseada de Brito. O troféu foi instituído em 1996 e tem como objetivo homenagear pessoas, empresas e entidades que valorizem a cultura açoriana. Para a superintendente da Fundação Cultural, Joice Porto, o prêmio reconhece São José como a capital da louça de barro e fortalece ainda mais a tradição na cidade.

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