O mês é agosto. A população de Joinville está assustada. Já ocorreram 60 assassinatos no ano. Pressionada, a Polícia Civil toma uma medida extrema: decreta toque de recolher. Depois das 22 horas, bares devem fechar as portas. Restaurantes, postos de gasolina e qualquer estabelecimento que ofereça bebida alcoólica ou que possa causar aglomeração de pessoas, também. A explicação para a escalada de violência em Joinville está nos jornais: as mortes acontecem por motivos passionais ou em latrocínios, mas raramente por briga entre traficantes.

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Joinville registra sete homicídios em cerca de três horas neste domingo

Momentos de terror na zona Sul de Joinville, relatam moradores

Esse é o cenário de dezembro de 2003 em Joinville. Um ano antes, a cidade havia registrado 47 assassinatos. Quando o número chegava perto de dobrar, a sociedade se mobilizou para conhecer as causas de tantos assassinatos e pressionar os governantes. Doze anos depois, o número de assassinatos é quase três vezes maior – chegou a 122 no começo deste mês, sendo que sete mortes violentas foram registradas em um único fim de semana, algumas com características de execução.

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O que aconteceu em pouco mais de uma década em Joinville? Por que o governador Raimundo Colombo concluiu que Joinville é o maior problema do Estado neste momento? As respostas para estas perguntas são complexas.

‘É possível que estejamos falando de uma disputa territorial com relação ao tráfico de drogas’, avalia delegado regional

A Notícia” ouviu autoridades do Judiciário, das polícias civil e militar e ex-integrantes da cúpula da segurança pública do Estado para buscar uma resposta. Não há uma conclusão única, mas algumas hipóteses foram levantadas.

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A primeira delas é que o fermento que faz a violência crescer na cidade tem mais força onde o Estado não fez sua parte (com serviços e prevenção). Assim, se na periferia de Joinville o crime encontra resistência é porque o Estado falhou nos últimos anos, deixou de priorizar adequadamente a prevenção e não investiu no patamar em que as populações e os problemas cresciam.

Outra hipótese é a de que não houve enfrentamento adequado ao crime organizado, aquele que escapa fácil de penitenciárias e presídios, passa pelo submundo do tráfico e faz vítimas muito além de usuários de drogas.

Para juiz, o momento é grave

Para representantes do Judiciário e das polícias Civil e Militar, a falta de investimentos e de prioridade para a segurança pública e a guerra entre facções são os dois lados do “maior problema de segurança pública do Estado neste momento”, nas palavras do governador Raimundo Colombo.

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– Grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, demoraram cerca de dez anos para perceber e reconhecer a atuação de facções criminosas. Aqui a gente já vem percebendo há um bom tempo – diz João Marcos Buch, juiz titular da Vara de Execução Penal de Joinville.

O magistrado foi um dos primeiros a alertar para a ação das facções criminosas no Estado, em 2014. Nessa semana, ele liderou a reativação do Instituto de Estudos e Pesquisas Sociais (Iepes), uma entidade não-governamental que reúne representantes de vários setores da sociedade e tem como objetivo estudar a criminalidade e a violência urbanas por meio de conhecimento científico e educação para a prevenção. Para o juiz, o momento é grave.

– É preciso compreender esse momento. À medida que a gente entende, consegue sair dele – diz.

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A expectativa é de que o sucesso de um programa posto em prática em 2004, na primeira grande onda de violência enfrentada por Joinville, seja repetida agora. À época, em parceria com o Instituto Companheiro das Américas e com a Universidade Virginia Tech (EUA), o Iepes trouxe a Joinville o primeiro curso de capacitação para professores de escolas públicas. O projeto foi repetido dois anos mais tarde. O instituto coloca frente a frente representantes de diversos órgãos, dando a eles a chance de buscar informações atualizadas sobre a segurança.