Dentro da história da arte, a catarinense Eli Heil é uma outsider. Foi uma artista marginal no sentido de desenvolver uma linguagem própria, independente da história ou de correntes artísticas. Suas criações nasceram do próprio pensamento e da necessidade de se expressar. Não estava interessada nas grandes escolas de pensamento, apenas em colocar para fora inquietações. Intuitivamente e de maneira autodidata, rompeu padrões para se tornar uma das artistas mais importantes da história da arte de Santa Catarina e do Brasil.
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Eli morreu na tarde de domingo, às 14 horas, no hospital SOS Cárdio. Aos 88 anos, ela estava internada desde 29 de agosto e não sobreviveu a duas paradas cardíacas. O velório está sendo realizado na igreja do bairro Santo Antonio de Lisboa, em Florianópolis. O enterro será realizado na tarde desta segunda-feira, no cemitério localizado junto à igreja.
Leia a seguir o que críticos de arte, pesquisadores, colecionadores e artistas falam sobre o legado de Eli Heil para a arte brasileira.
Adriano Paulo, pesquisador e colecionador
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“Eli era única. Era de uma originalidade muito grande. Tinha um trabalho espontâneo, diferente de outros artistas que vêm de uma escola artística. A criação e a necessidade de se expressar estavam em primeiro lugar. Ela dedicava-se de corpo e alma à arte e até se isolava do mundo. Essa espontaneidade trouxe algo de novo. A linguagem, os materiais, o traço, a sensibilidade para as cores. Tudo de forma intuitiva. E, na essência, artista é quem cria. E ela fez disso uma necessidade.
A inquietude não a deixou se acomodar. E isso a levou a ser reconhecida internacionalmente, sem nunca ter buscado projeção ou marketing. Ao mesmo tempo, era uma artista difícil, porque não produzia para agradar e isso nunca foi calculado.”
Janga Neves, crítico de arte e artsta
“Eli é o único gênio que conheci em vida. O que ela faz é inacreditável. Ela transforma cada material em algo inesperado: tampa de bacio, rolo de papel higiênico, salto de sapado viraram em obras geniais pelas mãos dela. Tinha essa capacidade criadora de ir além. Intuitivamente, ela percorreu todos os caminhos que a arte contemporânea abriu para outras formas de expressão. E ao mesmo tempo, era uma pessoa muito simples. Lembro-me de ir a casa dela, ela nos esperava sábado à tarde com café e torta de banana. Ela cantava. Foi uma artista de grande potência, que extrapolou todos os limites regionais e participou de bienais. E soube impor o talento de forma doce e sem puxar o tapete de ninguém. A obra se impôs pela qualidade e originalidade.”
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Ylmar Corrêa Neto, pesquisador e colecionador
“Eli é classificada como inclassificável. Duas coisas são fundamentais sobre o legado dela para arte. Em primeiro lugar, a devoção e respeito pelo próprio trabalho. Tinha uma obra íntegra. É comum que artistas outsiders se dobrem ao mercado para agradar. Ela nunca fez isso. Mesmo com restrições econômicas, não se submeteu a obra seriada ou artesanal. Em segundo lugar, a preocupação de criar uma fundação. Poucos artistas fazem isso, de doar seu legado para a comunidade. Ela mesma selecionou e muita coisa deixou de vender para criar a Fundação O Mundo Ovo.”
Edina De Marco, curadora adjunta e coordenadora de ação educativa do Museu de Arte de Santa Catarina ( Masc)
“Eli Heil é a artista mais representada dentro do acervo do Masc, com 53 obras. É com pesar que nós recebemos a notícia de seu falecimento. Uma artista que pesquisou as diversas linguagens, como escultura, pintura, desenho, além de ser poeta, e que construiu um universo simbólico próprio com referências da cultura local, mas criando algo único. Esse universo reconhecível, que a gente olha e reconhece, que é o que faz um artista. Seu trabalho ainda precisa ser bastante pesquisado. Ela tem uma importância na arte, além de Santa Catarina. Tem várias questões importantes, o fato dela ser uma mulher, autodidata, de ter construído uma carreira fora dos centros de referência na arte, persistido nessa carreira com dificuldades, insistindo, e criado algo ímpar aqui, que é uma construção dela. “
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Fernando Lindote, artista
“Todo mundo vai dizer a mesma coisa, que ela foi muito importante, o que ela significou e o que fica. Acho que talvez seja o momento de começar a pensar a manutenção da visibilidade do trabalho. Ela já tem uma estrutura e um instrumento para isso, que ela mesma montou, e isso demonstra uma inteligência. É claro que os filhos estão juntos, mas ela que estruturou, ela tinha essa noção. A gente tem algumas experiências boas no Estado que são a Fundação Hassis e o Instituto Meyer Filho, em que os filhos cuidam do espólio dos pais e conseguem manter a divulgação. Essas duas me chamam a atenção porque periodicamente estão lançando livros ou fazendo exposições. Já tem essa experiência dessa mesma geração da Eli, então acho que existe um caminho para se basear”.
Kátia Klock, cineasta que produziu dois documentários e um livro sobre a artista
“Uma das questões que eu queria investigar era a palavra na obra dela. Por muito tempo, ela escreveu durante o processo de dor, ela tinha uma relação com a arte que brotava da dor. Fiz a primeira visita para propor esse projeto em 2006 e fiquei durante cinco anos nesse processo. A arte de Eli é uma arte de fronteiras. Ela só não foi mais longe porque ela segurava muito, sempre teve muito ciúmes das obras viajando, ela ficava angustiada quando as obras saíam do terreno dela. Era um ser por quem eu sempre tive um grande respeito porque era de uma vitalidade e uma impaciência, ela não queria parar nunca, queria criar até o fim e acho que isso ela fez”.
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