Antes, Eli era um pássaro. Sobrevoou a primeira missa no Brasil, a crucificação de Cristo, a paisagem do morro da infância. Antes foi ovo, veio das entranhas da imaginação, da transposição de mundos e divisas da alucinação. Eli Heil é o próprio pássaro que ela diz ter pousado em seu telhado certa vez. Incomum, instintiva, a artista abre hoje exposição em celebração aos seus 85 anos no Museu de Arte de Santa Catarina (Masc), em Florianópolis, onde também participa de uma conversa com o público.
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A mostra é a maior retrospectiva pictórica dos 52 anos de carreira. Estarão expostas 180 obras, muitas delas inéditas para o público, como três painéis de grandes dimensões – dois de 22 metros e um de 32m de comprimento produzidos entre 2003 em 2008 e que estavam ainda enrolados em seu ateliê.
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As pinturas foram agrupadas por décadas, a partir dos anos 60, de modo a se perceber as diferenças de cada época. No começo dos anos 2000, por exemplo, a artista se descobriu em obras minúsculas, em telas de apenas 9 x 12 cm.
– Com esse experimento ela chegou a quase 2 mil pinturas, todas muito bem acabadas e resolvidas pictoricamente – observa Adriano Pauli, colecionador e curador da exposição juntamente com Ylmar Corrêa Neto.
Da produção mais recente está nas paredes o conjunto de 50 desenhos coloridos feitos entre 2012 e 2013, além das experimentações em preto e branco e um desenho feito em novembro passado.
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As obras são em parte do acervo do Masc, de quatro coleções particulares e do acervo de Eli Heil. As esculturas e instalações, também marcantes na trajetória da artista e produzidas igualmente em grande quantidade, não foram incluídas na mostra.
VÔMITOS CRIATIVOS
Na última segunda-feira pela manhã Eli Heil esperava sorridente a equipe do Anexo. Arrumou-se com saia, blusa amarela, além de um charmoso lenço no pescoço e abanou da pequena varanda da sala de exposição do Museu O Mundo Ovo, fundado em 1987. Localizado na SC-401, o espaço é uma obra de arte em si. O portão, o gradil, as janelas, as calçadas, tudo é criação da artista.
A quem chega ela conta em pormenores seu estado emocional e físico no momento da produção das obras (seus filhos!), os “vômitos criativos” e a expulsão de seres amorfos de dentro se si num “parto colorido”. Relembra com honesta tristeza a derrubada de Adão e Eva, esculturas edificadas em cimento na entrada do Museu que foram derrubadas para a construção de uma estrada e hoje jazem no cemitério metafórico.
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Nascida em Palhoça, Eli começou a pintar somente aos 33 anos. Estava acamada em razão de uma doença quando ganhou do irmão um quadro. “Isso eu também faço”, disse ela, à época. Essa mesma história ainda repete com entusiasmo:
– Mas eu não podia fazer igual.
Então fez diferente. Inventou pelo menos 200 técnicas. E tela? Para que tela? Eli usou tampas de vasos sanitários, saltos de sapato, rolos de papel higiênico. Teceu fios elétricos com vassoura, numa época em que reciclar era conhecido como fuçar no lixo.
O trabalho único, classificado como “Arte Incomum” na 16ª Bienal Internacional de São Paulo (1981), a projetou dentro e fora do Brasil. No currículo estão individuais nos maiores museus do país e do mundo – só na França expôs mais de 40 vezes. Ultimamente anda cansada, o corpo vem dando sinais da idade.
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– Meu cérebro está bom – garante.
Contou da labirintite que tem feito seu mundo girar e que a fez usar uma bengala.
– Mas eu a joguei num canto e agora vou andar – disse, encantadoramente desaforada.
Ou voar, como sempre fez.
CAMINHOS CRUZADOS COM O MASC
Eli Heil – 85 anos é uma exposição muito importante para o Masc e vice-versa. Esta a sua 15ª mostra individual na instituição, onde também participou de 40 coletivas. É a artista que mais possui obras no acervo do museu – todas estarão no catálogo que será lançado na noite de hoje.
– O que ocorre com Eli Heil é fenomenal. Ela não está vinculada a nenhuma corrente artística. Percebe-se uma inquietação, mas consciente, de que ela tem de criar. É um eterno processo criativo – analisa o curador Adriano Pauli.
Ele considera-se um diletante colecionador de arte e, em sua opinião, Eli é uma grande artista no contexto nacional e internacional.
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– Já tentaram enquadrá-la em vários movimentos. Ela não é comum. É marginal. Sua arte é particular e espontânea – diz.
Ylmar Corrêa Neto, também curador da mostra, conhece a artista desde que era criança e passou a colecionar suas obras em 1990. Segundo ele, apesar do inevitável contato com a arte tradicional, Eli se manteve fiel ao seu imaginário, alheia à arte do passado e do presente, voluntariamente enclausurada em seu Mundo Ovo.
– Em vez de adotar os conceitos atuais, assistiu à incorporação da arte “outsider” ao universo da arte contemporânea – afirma.
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Agende-se
O quê: Exposição Eli Heil – 85 anos
Quando: hoje, às 19h30min (abertura). Visitação até 22 de março, de terça a sábado, das 10h às 20h30min. Domingos e feriados, das 10h às 19h30min
Onde: Museu de Arte de Santa Catarina (Av. Irineu Bornhausen, 5.600, Agronômica, Florianópolis)
Quanto: gratuito
Informações: (48) 3664-2630 e (48) 3664-2631