A radicalização já dava as caras nas eleições chilenas, com protestos que gritam contra o sistema de ensino se contrapondo a um governo que não entende a baixa popularidade em meio à bonança econômica. Agravou-se ainda quando a ditadura personificou-se nos pais das principais candidatas. O general Alberto Bachelet morreu durante a ditadura de Augusto Pinochet. Permaneceu fiel ao ex-presidente derrubado Salvador Allende, e, por isso, foi preso e torturado. Já o general Fernando Matthei dirigiu a Academia de Guerra Aérea e integrou a primeira junta a governar o país no regime de exceção. A socialista Michelle, filha de Bachelet, é candidata da oposição, tentando retornar ao cargo que ocupou de 2006 a 2010. Evelyn, filha de Matthei, é a candidata de um governo do qual poucas semanas atrás era ministra do Trabalho. É o passado que retorna projetado nas filhas da vítima e do repressor.

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Para embaixador do país, pleito não pode se concentrar no passado

De acordo com a Associação de Familiares de Executados Políticos (Afep), Matthei, o pai, sabia do que ocorria nos porões do regime. A entidade chegou a pedir que ele fosse processado pelas torturas que Alberto Bachelet sofreu antes de morrer em decorrência de complicações cardíacas. Um juiz, porém, rejeitou tocar adiante o processo aberto em 26 de julho. A defesa de Matthei alegou que ele estava no Exterior quando o pai da ex-presidente morreu, meio ano após o golpe militar de 11 de setembro de 1973.

Enquanto a briga se desenvolve nos bastidores da política chilena, Evelyn diz que suas diferenças em relação a Bachelet são apenas políticas, e Bachelet afirma que não solicitou a investigação sobre o caso, mas que aceitaria de bom grado conhecer detalhes sobre como ocorreu a morte do pai.

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Com o lema “Chile de todos”, Bachelet adotou discurso moderado, mas sabe bem o que quer. Após ter conseguido 73,5% dos votos nas primárias, ela quer colar Evelyn na impopularidade do presidente Sebastián Piñera, cujos índices de popularidade, apesar dos bons números econômicos, rondam os 30%, menos que a metade de Bachelet quando terminou seu governo, em 2010.

Já Evelyn, conhecida como a “dama de ferro chilena” em razão do seu estilo rígido, entrou pela porta dos fundos na campanha. O vitorioso nas primárias havia sido o direitista Pablo Longueira, pela estreita margem de 51%. Alegando viver um quadro de profunda depressão, ele, porém, renunciou. Filiada ao mesmo partido que Longueira, a União Democrata Independente (UDI), Evelyn deixou o Ministério do Trabalho e assumiu como alternativa da direita.

Primeira mulher eleita presidente do Chile, em 2006, Bachelet retornou ao país em março (ficou três anos em Nova York, onde comandou o braço das Nações Unidas para a mulher). Voltou propondo mudanças radicais para enfrentar a crescente insatisfação popular, em especial as estudantis.

Economia vai bem, mas as ruas gritam

O que Bachelet propõe? Educação universal gratuita no nível universitário em seis anos, em resposta à principal demanda dos estudantes. Além disso, reforma tributária e – apelando ao fantasma da ditadura – mudança constitucional para acabar com a que foi imposta por Pinochet.

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Guillermo Holzmann, diretor da Analytyka Consultores, não tem dúvida:

– A ditadura entrou na pauta da eleição, e há muito pela frente para dizer que nossa sociedade superou aquele momento.

Holzmann identifica também outro tema que provoca curiosidade: a economia. Ele enumera dados que deveriam beneficiar a candidata governista: crescimento de 4% e desemprego em baixa – ficou em 6,2% no trimestre abril-junho, 0,2 pontos a menos que no trimestre anterior (março-maio) e 0,4 pontos a menos que no mesmo período de 2012, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (INE).

– Mas isso não está sendo suficiente para convencer o eleitor médio – comenta.

Na tentativa de conduzir a pauta eleitoral para a economia, Evelyn busca separar a distância com a adversária. Alardeou uma amizade entre elas, mas Bachelet declarou:

– Sou um pouco mais velha que a candidata Matthei (Bachelet tem 63 anos, e Evelyn tem 59). Eu era amiga e colega do seu irmão Fernando. Mais além dessas amizades, nossas vidas posteriores foram diferentes.

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