O dia 19 de fevereiro de 2015 foi um divisor de águas na vida de uma família blumenauense e, especialmente, na de uma jovem estudante de 20 anos. Um crime visto pouquíssimas vezes na região e tratado pela primeira vez tanto por advogados quanto policiais, delegados e promotores envolvidos no caso. Há exato um ano, Jéssica Kristine Lunkmoss Pereira dava à luz sozinha, em seu quarto, a um menino fruto de uma gravidez indesejada e escondida de família e amigos, e instantes depois matava a criança com golpes de tesoura. Doze meses depois o caso ainda é debatido na esfera criminal, Jéssica espera sua sentença e busca na Justiça a chance de, ao menos, dar um enterro à criança.

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O corpo do bebê segue no Instituto Médico Legal (IML) de Blumenau devido a uma série de desencontros frutos da natureza incomum do caso. Para que o corpo possa ser sepultado, o cartório precisa emitir o atestado de óbito. No entanto, para poder expedir o documento, são necessários dois laudos médicos: um que comprova que a criança nasceu com vida e outro que ela morreu. O último existe e em condições corretas, mas o primeiro documento, a Declaração de Nascido Vivo (DNV), foi feito no hospital semanas após o nascimento e perdeu a validade solicitada pelo cartório. Em maio do ano passado o advogado da família, Ricardo Wille, entrou com um pedido na Justiça para que um juiz conceda ao cartório a autorização para emitir o atestado de óbito, mas até hoje o pedido não caminhou:

– A família tem a vontade de enterrar, independentemente do que aconteceu, é uma vida. É uma vontade dos avós da criança e da Jéssica também, tanto que ela é a requerente do pedido na Justiça. Não andou ainda porque a Justiça é lenta, a Vara da Fazenda especialmente, pois acumula processos do Estado. Agora temos uma esperança pois o Ministério Público (MP) se manifestou com um parecer favorável ao nosso pedido no dia 29 de janeiro, então espero que logo o juiz conceda a autorização.

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De acordo com a promotora da área de registros públicos do Ministério Público, Kátia Pretti, é de praxe que o MP se manifeste em casos que envolvem incapazes, sejam menores de idade ou pessoas com deficiência. Por se tratar do caso de um menor (o bebê), a promotora não pode divulgar detalhes do processo.

Com a autorização do juiz, de acordo com Wille, o cartório irá emitir o atestado de óbito e a família poderá retirar o corpo do IML e enterrar o bebê. Anteriormente, o instituto havia se pronunciado falando que o corpo estaria liberado mas a família não tinha ido buscá-lo. O advogado explica que, tecnicamente, pelo IML há a liberação, mas não seria possível realizar o sepultamento, para o qual é necessário a apresentação da declaração de óbito na Central Funerária do Município.

Defesa sustenta tese de infanticídio

Além da área de registros públicos, o caso ainda corre em âmbito criminal e também está perto de uma conclusão. No dia 3 houve a última audiência da primeira fase do caso, com o término de todos os depoimentos e busca por provas. Na ocasião a defesa chamou para testemunhar o psiquiatra que examinou Jéssica em abril do ano passado. De acordo com Wille, o laudo do perito não deixa dúvidas de que o crime foi cometido enquanto ela estava em estado puerperal, período após o parto em que o corpo da mulher sofre mudanças fisiológicas que afetam diretamente o comportamento. Quando uma mãe mata o filho durante o puerpério, o Código Penal qualifica o crime como infanticídio, e essa é a tese da defesa. A pena prevista para o infanticídio é entre dois e seis anos, bem menor que a de homicídio doloso – do qual Jéssica é acusada – de 12 a 30 anos.

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– Durante a audiência perguntei para o psiquiatra se, em virtude dos fatos, a Jéssica era capaz de entender a ilicitude do ato e se posicionar, e o psiquiatra disse que, no máximo, parcialmente. Ou seja, ela não tinha capacidade plena de entender o que estava acontecendo. A situação se encaixa perfeitamente na definição de infanticídio. Era uma gravidez indesejada, mantida em segredo, sem nenhum tipo de acompanhamento médico, parto feito em casa, sozinha, em situação de absoluto estresse, em pânico, com medo e muita dor. O pai da criança também nunca apareceu, embora a Jéssica tenha dito que contou para ele da gravidez, mesmo que eles não tivessem mais um relacionamento – explica o advogado.

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Para a acusação, o caso se trata de homicídio doloso (quando há a intenção de matar) duplamente qualificado e ocultação de cadáver. De acordo com a promotora da vara criminal responsável pelo caso atualmente, Bartira Soldera Dias, a acusação inicial é duplamente qualificada por motivo torpe – pois Jéssica desde o começo não desejava a gravidez – e meio cruel.

Caso irá para o tribunal do júri de qualquer forma

Na próxima fase do caso ambos os lados irão apresentar as alegações finais e então o juiz decidirá se aceita a acusação de homicídio ou se a desqualifica e aceita a tese da defesa de infanticídio. Em qualquer uma das decisões é o tribunal do júri quem vai decidir a sentença. Na opinião de Dias, se a decisão for por infanticídio, Jéssica não deve cumprir a pena em regime fechado, por ser ré primária. Enquanto estava no hospital após o crime, ela chegou a ficar sob custódia da polícia, mas foi liberada da prisão preventiva cinco dias depois e aguarda o julgamento em liberdade até hoje.

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– A Jéssica é uma moça normal que teve esse episódio que é absolutamente inexplicável pelo histórico dela, tem que ter havido um surto para explicar isso. Ela sente muito remorso, foi um momento divisor de águas na vida dela, e ela sabe muito bem o que causou, até porque teve acompanhamento psiquiátrico ano passado para que não entrasse num processo autodestrutivo.