Um cidadão impactado pelo noticiário da crise política, refratário a ideias progressistas cada vez mais aceitas no Ocidente (regulamentação do uso da maconha), dividido quando o assunto já é discutido abertamente na sociedade (o casamento gay), vítima de um sistema que desestimula o acompanhamento das ações dos eleitos, com novos hábitos de consumo de informações sobre política e em meio a uma grande crise de representatividade. Essa é a leitura que especialistas consultados pelo DC fazem da pesquisa do Instituto Mapa, realizada entre os dias 18 e 26 de maio, com 1 mil entrevistados em 42 municípios e divulgada pelo Grupo RBS na quinta-feira.

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Tiago Borges, professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC, aponta as chamadas ¿jornadas de junho de 2013¿ como o início de um período em que a política passou a ser um assunto mais frequente no cotidiano e estopim da crise de representatividade atual do Brasil.

Opinião do eleitor catarinense sobre temas polêmicos é parecida com a dos vereadores da atual legislatura

“Temos um eleitor mais informado e ciente da importância do seu voto”, diz presidente do Instituto Mapa

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– É claro que precisaria haver uma rodada de pesquisa anterior para ter certeza, mas acho que desde 2013, quando começou um envolvimento mais forte do brasileiro com manifestações de rua, temos um eleitor mais interessado em política e nas eleições. Até em lugares em que antes se via tradicionalmente futebol, como bares, passou-se a ver sessão do STF. Uma votação de impeachment também eleva o interesse, claro. Então, é possível que muitos daqueles que não se interessam pelo tema acabem acompanhando o desenrolar dos acontecimentos com mais curiosidade. Nos últimos 20 anos, não me lembro de uma quantidade de informações tão elevada sobre o tema para o eleitor.

Para Valmir dos Passos, professor de Ciências Sociais da Unisul, a crise política desencadeada a partir as eleições presidenciais de 2014 e o acirramento do debate que se estabeleceu desde então colaboraram para que o eleitor catarinense se revelasse mais interessado.

– Ao ouvir a pergunta do pesquisador, o eleitor automaticamente recupera todo esse quadro, explicitado na mídia, em especial nos telejornais – que, como a própria pesquisa traz, é a principal fonte de informações do eleitor catarinense. E os telejornais, em especial, têm feito isso às vezes com tom emotivo, motivador e, não raro, sensacionalista, o que torna o conteúdo ainda mais aderente.

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O presidente do Instituto Mapa, José Nazareno Vieira, também acredita que a pesquisa – realizada entre os dias 18 e 26 de maio, em 42 municípios nas seis mesorregiões de Santa Catarina – revela um eleitor mais atento.

– Com esse bombardeio de informações sobre tudo o que está acontecendo na política, na economia e socialmente no Brasil, o eleitor ficou mais instruído e mais informado, mesmo que, por hábito, ele não tenha todo o interesse ou mesmo costumasse dizer que ‘de política e políticos eu quero distância’. A verdade é que o eleitor hoje é quase que afrontado por essas notícias.

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Um em cada quatro eleitores de SC não lembra em quem votou na última eleição

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Sempeculiaridades em relação ao resto do Brasil

Para Borges, a pesquisa retrata características do eleitor de SC, mas não é possível afirmar que seu posicionamento neste ou naquele tema seja uma peculiaridade do catarinense.

– Os resultados são interessantes e não sei até que ponto destoam do eleitorado geral. De fato, não há nada de anormal ou de muito estranho em relação a outras pesquisas de outros estados e do resto do Brasil. Nada que se possa dizer: esta é uma singularidade dos eleitores do Estado.

Mesmo o fato de que um em cada quatro eleitores não se lembra em quem votou nas últimas eleições não pode ser considerado algo que o distinga o eleitor daqui no cenário nacional.

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– Essa questão sobre a memória do eleitor é razoavelmente explicada pelo próprio sistema eleitoral. Não é algo cognitivo, mas das regras do sistema. Não é que o eleitor não liga e, portanto, não lembra, mas sim porque o sistema é muito complexo, tem muitas regras e muitos partidos. É resultado do arranjo institucional vigente.

Passos concorda com a avaliação, afirmando que essa é uma característica nacional, comum a eleitores de todo o Brasil.

– Alguns pontos investigados na pesquisa confirmam trabalhos acadêmicos já publicados na área das ciências políticas, em especial a informação de que o interesse do eleitor é muito ligado à eleição, ao pleito em si, mas depois que esse momento passa, o eleitor também o deixa para trás e não acompanha o desempenho dos eleitos. Isso é, de fato, uma característica nacional. A relação do eleitor com a política no Brasil é muito pontual.

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Eleitor de SC não confia na política no Brasil, no Estado e na sua cidade

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Especialistas divergem sobre comportamento

O professor Valmir dos Passos entende que, ideologicamente, o perfil do eleitor catarinense é mais tradicionalista, com forte pendor religioso, o que ajudaria a explicar sua posição sobre o aborto, por exemplo. Ao mesmo tempo, ele aponta que, se há uma divisão maior no casamento gay, é porque o assunto é discutido de maneira aberta na sociedade.

– A teledramaturgia e os programas de entretenimento na TV aberta evoluíram muito no tratamento desse tema, e eu diria que promovem um debate vanguardista. Hoje se fala abertamente sobre homofobia, algo que anos atrás não acontecia. Mas na questão sobre preconceito racial, o eleitor claramente não se expressou com sinceridade. Não só em SC, mas no Brasil inteiro. Nosso Estado é majoritariamente racista, contra os negros e também contra índios.

Para Tiago Borges, não dá para cravar que o catarinense é um eleitor conservador, mas que a pesquisa mostra essa tendência, ainda que em um ou outro tema haja mais divisão.

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– De certo modo, há uma inclinação a decidir por um viés menos progressista. Isso pode indicar um conservadorismo significativo. A questão mais complicada é a do racismo. As pessoas têm vergonha de afirmar, porque é socialmente visto como ruim e é crime. Eu não indicaria que isso queira dizer que o eleitor não é racista. Mas é curioso ver que 2% reconheceram abertamente serem racistas.

Já Vieira afirma que não consegue enxergar um eleitor conservador apartir da íntegra da pesquisa.

– Eu não diria que é um eleitor conservador, tanto que algumas posições são ambíguas e em algumas questões ele se divide. Não dá para generalizar que é conservador. Ele quer um conjunto de coisas que não dá para dizer se é conservador, liberal ou outro rótulo.

O perfil do eleitor catarinense

– Na questão da corrupção, o eleitor se mostrou bastante avesso, sem tolerância à corrupção, mas também nesse ponto o tema é visto em geral como um problema do outro. Me parece que ninguém responde levando em consideração a sua própria esfera de convivência, em que há pequenos delitos do dia a dia.

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Consumode notícia evidencia a formação de uma nova sociabilidade

O professor do Departamento de Jornalismo da UFSC Samuel Lima diz que a análise dos hábitos de consumo de informações sobre política dos eleitores de SC pode indicar ¿o que, no meio acadêmico, a gente está chamando de formação de uma nova sociabilidade, em que a imprensa tradicional, ainda que majoritária entre os eleitores, começa a dividir espaço com redes sociais e outros meios de comunicação em rede que temos hoje¿. Além disso, ele destaca o dado de que 49,6% dizem se consultar com familiares e parentes sobre candidatos.

– Junto com ‘internet, de modo geral’ (38,8%), esse número sugere o que o pesquisador Carlos Castilho já vem alertando: de que cada vez mais amigos, os círculos familiares e de afeto são decisivos na formação da opinião e de consulta – algo que foi ainda mais viabilizado com as redes sociais, blogs e outros perfis virtuais. Não podemos esquecer também que cresceu muito o acesso à internet móvel nos últimos anos, o que propicia essa troca de informações.