É na casa em que mora em meio à natureza, no alto do morro e com vista panorâmica de Florianópolis, que João Ferreira, o Seu Teco, 86 anos, conta as histórias de uma das comunidades mais antigas e tradicionais da Capital: o Monte Serrat. São mais de oito décadas vividas lá em cima, que o tornaram uma importante liderança comunitária e cultural do bairro.
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Se hoje o ônibus da linha 764 sobe até o alto do morro, agradeça a esse senhor que ajudou a abrir os caminhos do bairro. Na época em que era criança — e sua principal diversão era soltar pandorga no local chamado “pastinho” —, o acesso era por uma trilha de barro e pedras, e todo mundo chegava embarrado em casa.
Seu Teco tornou-se um benfeitor da comunidade. Foi servidor dos Correios, pintor, carnavalesco, mas nunca deixou o Monte Serrat de lado. O bairro é a sua prioridade.
No dia em que a Hora o visitou, a casa estava em festa, com muita cerveja e animais soltos pelo pátio. Era o aniversário de 78 anos da Dona Isolete, esposa de Seu Teco. O casal ajudou a povoar a região. Teve sete filhos, 21 netos e oito bisnetos. Mas nem sempre o bairro foi assim, tão cheio e alegre. E Seu Teco, com a memória impecável, lembra de tudo que aconteceu na comunidade — até de histórias que ouviu e se passaram antes de ele nascer.
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O Morro do Pau da Bandeira
Antes de se chamar Monte Serrat, a região teve outros nomes. O primeiro foi Morro do Pau da Bandeira, segundo Seu Teco.
— Os navios, quando vinham do norte do país para entrar na nossa baía, se perdiam. Embaixo da ponte tem um navio afundado. Então, a Marinha fez o seguinte: como aqui é o morro mais alto que tem na Ilha, botaram um bambu com uma bandeira branca. Lá em cima só tinha duas casas, a do Seu Estêvão e a do Seu Olavo, que depois viria a ser meu parente. E aí o Seu Estêvão abanava a bandeira. Depois, para abolir aquela bandeira, eles fizeram uma cruz. Então o navio chegava lá embaixo e os marujos viam a cruz com o binóculo e entravam.
O segundo nome foi Morro da Caixa, por causa da centenária e suntuosa caixa d’água que abastece grande parte cidade e fica na comunidade. Seu Teco lembra que era um paradoxo o bairro ter um reservatório daquele tamanho e não ser atendido pelo serviço na sua infância. Na época, nem água, nem luz tinham os moradores.
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O atual nome do bairro veio depois que Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat foi erguida na comunidade. E esse templo seria protagonista das mudanças no local.
Moradores calçaram a rua e Seu Teco desceu o morro rolando
A Rua Vieira da Rosa, geral do bairro, só recebia melhorias em setembro, para a festa da padroeira. Era quando a prefeitura arrumava as valas. Seu Teco lembra que o finado padre Agostinho subia o morro de jipe.
— Quando dava um temporal, estragava tudo de novo. O padre Agostinho, vendo aquilo, foi lá na prefeitura e conseguiu um acordo com o prefeito, que na época era o Esperidião Amin. E ele disse “se vocês fizerem as valas, eu dou o material para o calçamento”. E aí o padre nos chamou na igreja e convocou todo mundo. Assim nós fomos fazendo calçamento até a igreja. Ficou faltando da igreja para cima.
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Ele lembra que eram 28 “homens de fé” que todo sábado e domingo estavam lá, abrindo as valas. Tinha criança, mulher, todos ajudavam.
— Quando a gente chegava na frente das casas, um dava um bolo, outro dava um cafezinho, outro dava uma cachaça, um refrigerante. E era aquela farra.
Ao ver o trabalho quase pronto, Seu Teco prometeu que iria rolar lá de cima até onde os dois calçamentos se encontrassem.
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— Aí nesse dia eu fui em casa, botei uma camisa mais grossa e rolei! Foi uma farra. Pena que naquela época não tinha celular para fotografar.
Copa Lord
Na parede do quarto, Seu Teco ostenta um quadro com a velha guarda do Carnaval de Florianópolis. Membro da Copa Lord, ele saía pela já calçada Rua Vieira da Rosa para arrecadar dinheiro para botar a escola na passarela. Conta que saíam tocando surdos feitos com barricas, que são pequenos tonéis de papelão para armazenar a argamassa usada nas casas do bairro.
— Eu era da pesada, da cozinha, da bateria. Eu pegava no bumbo. Tinha que segurar o ritmo certinho. Qualquer erro no desfile a culpa era nossa.
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Bairro ainda tem problemas
Apesar de todas as melhorias no Monte Serrat, há muito que avançar. Seu Teco lamenta que tem servidões que ainda estão inacabadas. Que tem vergonha de algumas vias e que ainda há esgoto a céu aberto. Cita o caso de um vizinho quase centenário que sofre com a falta de estrutura.
— O Seu Zequinha tem 95 anos e quando dá temporal ele não pode atravessar. Tem que fazer um caminho digno pra ele.
Seu Teco conta também que muitas famílias estão morando de aluguel social enquanto há um terreno disponibilizado pela prefeitura que já está pronto só para assentar as casas. Na Nova Descoberta faltam fazer 18 moradias. Por essas e outras questões, Seu Teco nem pensa em descansar. A luta continua.
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