Primeiro foi um passarinho com dons mediúnicos que, supostamente incorporando o espírito do líder e antecessor Hugo Chávez, teria incentivado o presidente venezuelano Nicolás Maduro a seguir adiante em sua missão de dar continuidade à “revolução bolivariana”.

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E ele seguiu.

Desde abril, quando foi eleito, Maduro entrou em queda de braço com empresários, atribuindo a eles os insucessos do seu governo. Depois, criou um “Vice-Ministério da Suprema Felicidade Social” e estabeleceu o 8 de dezembro como o “Dia da Lealdade e do Amor ao Comandante Supremo Hugo Chávez e à Pátria”, no qual quem fizer algo contra a “revolução bolivariana” estará traindo Chávez.

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No mesmo 8 de dezembro ocorrerão as eleições municipais, um referendo do governo que patina nos 54,3% de inflação anuais e que bateu o recorde de desabastecimento nas gôndolas dos mercados. A taxa de escassez de outubro foi 22,4% em Caracas, contra 21,2% do mês anterior e 16,1% em outubro de 2012. Produtos como óleo de cozinha, leite e manteiga sumiram. Na última terça-feira, o homem que também diz ter visto o rosto de Chávez esculpido em uma montanha conseguiu a via livre para governar ao largo do Legislativo. A Assembleia Nacional aprovou a Lei Habilitante, que dá ao presidente poderes para legislar por decreto em um período de 12 meses renováveis por mais meio ano. Já no seu artigo 1º, a lei permite que o presidente “dite ou reforme” leis, normas e instrumentos relativos à “luta contra a corrupção” e à “defesa da economia”.

Depois de ter incentivado a população a invadir lojas de eletrodomésticos e três semanas antes das tais eleições municipais, Maduro voltou a acusar os “burgueses” por tudo de ruim que ocorre na condução do seu governo, cuja economia, pouco diversificada, torna-se cada vez mais dependente do petróleo, produto por meio do qual são costurados acordos internacionais e financiadas iniciativas sociais.

As primeiras medidas da Lei Habilitante foram a de restringir o lucro a no máximo 30% e criar um instituto para controlar a especulação cambiária.

Onda de saques e marketing político

A oposição critica a centralização do Executivo e teme uma “caça às bruxas”. Reclama que a aprovação da lei teve um vício: para o quórum de 99 votos (três quintos), a maioria governista afastou a deputada chavista dissidente María Aranguren (sob o argumento de que está sendo julgada por peculato), substituída por Carlos Flores, suplente leal ao chavismo.

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O incitamento da população resultou numa onda de saques acompanhada da criação de tribunais para apreciar casos de lucro alto. Também foram designados 50 promotores para processar empresários suspeitos de usura. Cem já teriam sido presos.

– São tantos desmandos que eu até riria, não fosse a angústia – afirma a escritora e jornalista Milagros Socorro.

Ficou tão tensa a situação e são tão pesadas as críticas segundo as quais ele estaria “incendiando o país” (nas palavras do principal líder oposicionista, Henrique Capriles), que Maduro foi à TV pedir que a população não caísse em “tentações consumistas”.

Analistas como Luis Vicente León, presidente do instituto Datanálisis, define as medidas como inadequadas em termos econômicos, mas eficientes em termos de marketing político, especialmente quando se aproximam eleições importantes.

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– O que Maduro fez fortalece sua imagem. Mostra-se um homem de ação e aponta os que diz serem culpados. Além disso, impõe redução de preços, algo altamente popular – diz León.

Conforme pesquisa Datanálisis realizada em setembro, Maduro é mal avaliado por 54,9% da população. Na intenção de voto para as eleições municipais, há empate técnico entre governo e a oposição.