* Esta reportagem se propõe ser inclusiva, com descrição de legendas e vídeo audiodescritivo.

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Pela Associação Catarinense para Integração do Cego (Acic), já passaram cerca de mil pessoas. Parece pouco para uma instituição que funciona há 37 anos. Mas não é. A entidade faz trabalho pioneiro e único no Estado, de atender pessoas com dificuldade visual e capacitá-las para uma vida autônoma. De bebês que engatinham a aposentados com 80 anos. A reabilitação integral, em todas as faixas, possibilita profissionalização e inserção no mercado de trabalho. Todos passam por um estudo de caso e cada pessoa tem atendimento individual.

Feita por pessoas como eles

Em junho de 1977, um grupo de pessoas cegas e com baixa visão se reuniu na Fundação Catarinense de Educação Especial, em Florianópolis. Eles queriam fundar uma associação para desenvolver, promover e integrar, tanto no aspecto cultural, social e assistencial, mas principalmente no profissional, os indivíduos privados da visão, mesmo que parcialmente. Anos depois, a Acic aluga um espaço onde oferecia aulas de braille, de OM (uso da bengala) e de AVD (atividades da vida diária). Mais tarde, recebeu a doação de um terreno de 30 hectares no bairro Saco Grande. Em 1995, começou a construção da sede própria, com ajuda da comunidade e dos sócios. Foram construídos os centros de Administração, de Saúde, de Reabilitação, Profissionalização e Convivência. Anos depois veio o Centro de Hospedagem. A área total construída é de mais de 3,5mil metros quadrados.

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Amparo para seguir adiante

Quando chega à Acic, seja criança ou adulto, a pessoa passa por um contato com a assistente social. Ela precisa de um laudo sobre o quanto tem de visão. É observada a definição científica do que é uma pessoa cega (com até 5% de visão) e a considerada com baixa visão (entre 5% e 30%). O público atendido divide-se nessa especificidade. Entre as causas mais comuns da dificuldade visual estão glaucoma, catarata congênita, retinopatia diabética, retinopatia de prematuridade (bebês sem retina formada). Depois de identificada a acuidade visual, a pessoa segue para avaliação psicológica, pedagógica e de mobilidade. De zero a 10 anos passa também por avaliação de educação física. Ao lado, veja como eles aprendem a se tornar independentes, até mesmo para ter autonomia e segurança para paquerar e formar uma família.

Em Busca da Independência

A Associação Catarinense para Integração do Cego (Acic) promove atividades para proporcionar autonomia para cegos ou pessoas com baixa visão encararem o cotidiano. Estímulos distintos são aplicados conforme o grau de desenvolvimento da pessoa:

O INICIANTE

Legenda descritiva: O bebê Pedro, de pele branquinha, olhos azuis e cabelos pretos, tem o rosto iluminado por uma lanterna do profissional da Acic (Foto: Betina Humeres / Agência RBS)

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Quanto mais cedo uma pessoa cega frequentar um serviço de estimulação visual, melhor enfrentará a rotina. Com menos de um ano, Pedro é um exemplo. O bebê segue o barulho do chocalho amarrado ao bracinho e fica parado quando a luz da lanterna é projetada sobre o rosto. Ainda que não diferencie as formas, também descobre a importância do toque, como quando com o rosto sente o rosto da professora. Estudos demonstram que crianças com 10% de visão e que não recebem mediação adequada podem atuar como totalmente cegas para coisas do cotidiano.

PRIMEIRAS LIÇÕES

Legenda descritiva: Dois meninos de pele branca e cabelos escuros, com idades por volta de oito anos, brincam com as peças de soroban e encaixam numa casinha de madeira. O da esquerda usa um moletom cinza e coloca as mãos nos olhos. O da direita, usando moletom azul-escuro, está em frente à casinha, com as duas mãos tocando as peças. A professora, ao fundo, distribui as peças para o menino da direita. Ela é branca, tem cabelos lisos e pretos até os ombros e usam uma blusa de lá cinza com detalhes em rosa (Foto: Guto Kuerten / Agência RBS)

– Professora, hoje nós vamos brincar de soroban (ábaco adaptado)?

A pergunta de Alan é pertinente para um menino de oito anos. O aparelho de procedência japonesa serve para que pessoas cegas, como ele, façam cálculos usando o raciocínio lógico. Foi por um desses que Inês, a professora dele, também aprendeu a calcular. Apesar das atividades serem individuais, Alan tem a companhia de um colega. Juntos, os dois participam de numeralização, contação de histórias, desenhos e brincadeiras variadas, letramento.

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CONTATO COM A BENGALA

Legenda descritiva: O menino Alan Martins veste moleton vermelho e calça jeans e segura uma bengala para andar no corredor da Acic. A professora que o acompanha tem cabelos loiros compridos, usa óculos e veste uma blusa preta e uma calça de ginástica preta. Ela o segura pelo ombro no caminho (Foto: Guto Kuerten / Agência RBS)

Alan Martins, nove anos, aprendeu que ao longo da vida terá uma companheira inseparável: a bengala. Para saber usá-la, ele frequenta o espaço de orientação e mobilidade infantil. Ali é estimulado a perceber que, além do seu corpo, o objeto lhe dará a possibilidade de uma locomoção com independência e segurança. Nas aulas, são feitos passeios na parte interna da Acic e ele vai entrando em contato com obstáculos que encontrará nas ruas. Aos poucos, vai aprendendo a caminhar e a desenvolver a própria velocidade para enfrentar desvios de calçadas, muros, correntes, orelhões.

AUGE DA FORMA FÍSICA

Legenda descritiva: A jovem Ana Carolina, de pele morena e cabelos pretos cacheados, veste uma blusa verde e dá uma gargalhada no corredor da Acic em Florianópolis (Foto: Guto Kuerten / Agência RBS)

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Ana Carolina, 27 anos, mora no Centro de Hospedagem da Acic. Uma das atividades que mais gosta é a educação física. Para ela, os exercícios tornam o corpo mais leve e dão mais disposição para a rotina. Além disso, ajudam os cegos a acessar eventos culturais, desportivos e de lazer, pois minimizam dificuldades para caminhar e equilibrar-se em lugares nem sempre frequentados. Ana diz que a cegueira não a impede de estar de bem com a vida.

VIAJANDO PELO BRAILLE

Legenda descritiva: Duas mãos de uma mulher tocam as páginas brancas de um livro para ler o texto em braille. Os indicadores das duas mãos estão apontados para o texto. Ela tem unhas vermelhas e usa anéis dourados (Foto: Betina Humeres / Agência RBS)

Aprender braille não é tão simples como parece. E também vale a dica: quanto mais cedo isso ocorrer, melhor. Maria Ester Reis Horburg, 23 anos, aproveita as horas vagas para estar na biblioteca. Conta que, enquanto lê, viaja com o pensamento. Para ela, a leitura possibilita milagres de estar em diferentes lugares, em sentir cheiros e gostos que passam pela imaginação.

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DOMÍNIO DO COTIDIANO

Legenda descritiva: À esquerda, a moça com cabelos castanhos cacheados até os ombros e pele branca usa moletom vermelho. Ela está na cozinha da Acic. Ela sorri e segura uma espátula para mexer a massa de bolo de chocolate na bacia da batedeira. Ao fundo, no centro da imagem, a professora, que é loira, com pele branca e usa uma blusa verde, segura a bacia (Foto: Betina Humeres / Agência RBS)

Como imaginar um cego fazendo a própria comida? Mexer no fogão, ligar liquidificadores e batedeiras, temperar a refeição? Na sede da Acic existe um espaço onde os jovens passam por essa experiência. Trata-se de uma cozinha normal, onde com o auxílio de uma profissional os alunos aprendem a conviver com a rotina de varrer o chão, lavar louças, cozinhar. Algumas orientações: no fogão, as panelas devem ficar sempre na mesma posição. Enquanto as mãos devem ficar estendidas à frente para detectar, através do calor, a boca acesa do fogão.

COSTURAR A AUTOESTIMA

Legenda descritiva: Duas mãos de um homem negro tecem no tear uma tira de uma peça artesanal feita com linha de tom bege (Foto: Betina Humeres / Agência RBS)

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Na Acic também existe o grupo de atendimento ocupacional. Gente que por algum motivo está impossibilitada de ingressar no mercado de trabalho. Entre elas, pessoas que nunca enxergaram ou sem um mínimo insuficiente de visão para não ser definido como cego. Parte do que confeccionam reverte para eles. Mas esse não é o único ganho. O convívio com outras pessoas da mesma idade e com limitações parecidas possibilita experiências afetivas e sociais. Todos falam de valorização da autoestima.

TECER AMIZADES

Legenda descritiva: No lado esquerdo, um homem negro com chapéu branco e linhas pretas em xadrez veste camisa cinza e uma jaqueta preta. Ele sorri, enquanto tece uma peça no tear. No lado direito, ao fundo, a imagem está desfocada e mostra um rapaz de camisa polo branca e listras pretas horizontais sorrindo enquanto também tece. Ao fundo dos dois, uma janela e uma persiana (Foto: Betina Humeres / Agência RBS)

Assim como para os não cegos, o envelhecimento traz dificuldades. Doenças que surgem com o passar dos anos e o medo de quedas, por exemplo, não são os únicos riscos: a solidão também. Por isso, para muitos cegos a possibilidade de convívio com gente da mesma idade e a prática de atividades funciona como terapia de grupo. É o que diz Sônia Giovannetti, 65 anos, que frequenta aulas de artesanato na Acic. Para ela e os amigos Márcia Barbosa de Oliveira, 40 anos; Flávio João dos Santos, 35 anos; e Rogerio Luiz Raulino, 37 anos; o tear é um aprendizado que ajuda a transpor barreiras, superar limites, fazer amizades.

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