Em BH, o asfalto é verde e a rima branca

Quando os 30 mil manifestantes – eu disse 50 mil na segunda-feira no Facebook, mas era só zoeira – chegaram a alguns metros do Mineirão, perto das 17h15min, depois de quatro horas de manifestações até bem tranquilas, no momento em que a seleção de Taiti fazia aquele histórico gol de honra, a polícia entregou seu cartão de visita com assinatura de Joseph Blatter, mas com firma reconhecida.

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Dois segundos antes do primeiro estouro, um manifestante visivelmente exaltado gritou assim:

– A polícia militar disse que pra lá ninguém se responsabiliza, é área da Fifa, não é Brasil, então nós vamos invadir a Fifa!

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E então a multidão começou a correr, inclusive eu, só que pra trás, pois começou a chover bomba. Havia mais gente na rua do que dentro do estádio, que contava com 20.187 testemunhas.

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Curiosamente, enquanto as bombas explodiam, dois policiais militares que estavam ali, a princípio na boa, pediam pra que a multidão ficasse calma, então até pensei em ficar calmo, dei aquela cadenciada na corrida, mas outra bomba estourou e eu voltei a acelerar. Policial não tem medo de bomba, não?

Não entendo muito do assunto, mas, pelo que notei, qualquer manifestação que chegar na “área da Fifa” vai tomar esculacho. Foi visível a diferença no tratamento. Na mesma avenida Antônio Carlos, mesmo quando a polícia fez o primeiro cordão de isolamento da tarde, a negociação foi toda realizada na base da conversa com direito a muito sotaque mineiro e certa cordialidade, faltando apenas uns pães de queijo.

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Enquanto isso, no alto de uma favela, ao lado esquerdo da avenida, dezenas de manos subiam em uma laje e soltavam inúmeros foguetes em apoio aos manifestantes, provavelmente gastando mais do que deviam da cota do mês.

De fato, a manifestação não chegou ao Mineirão. E se manifestante esperto é aquele que vaza momentos antes do trem pegar fogo definitivamente, eu e minha célula de amigos, com suas respectivas namoradas, além de outras centenas de pessoas, vazamos na hora certa, mas o grosso ficou.

Voltamos pra Praça 7, no centro de Belo Horizonte, onde outro grupo, que se reunia desde às 17h, já tinha fechado a Afonso Pena. No caminho, pudemos perceber que o anel rodoviário da Antônio Carlos estava sendo fechado também.

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Enfim, a cidade estava mais fechada do que a defesa da Itália jogando no 3-5-2 com 2 volantes fixos. Só que uma das coisas que aprendi no cursinho para baderneiros iniciantes é nunca fechar viaduto, pois se der confronto com a polícia, o que se faz? Pula? Não deu outra.

Manifestações são lugares em que há muitos boatos, o que me convenceu em definitivo a comprar um Samsung Galaxy S-3. Quando chegamos ao monumento horroroso de BH, o Pirulito da Praça 7, lá pelas 19h, as notícias ruins também chegavam das cercanias do Mineirão. O trem estava feio e o boato era que 2 pessoas tinham morrido, uma delas ao cair – ou se jogar? ou ser empurrada? – do viaduto.

Parece também que a PM invadiu o campus da UFMG, que fica ao lado do Mineirão, onde muitos manifestantes ficaram sem saída até altas horas, um garoto foi pisoteado e outro perdeu parte da orelha. Alguma coisa era boato – nenhuma morte, por exemplo, foi confirmada – mas nem tudo. A única coisa que ninguém sabia dizer era quanto tinha sido o resultado do jogo entre Nigéria e Taiti.

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No final da noite, em torno das 20h30m, depois que muita gente voltou do Mineirão pro Centro, ainda deu tempo de fazer alguns protestos diante da Prefeitura, embora muitos manifestantes não quisessem descer do Pirulito, e lá continuaram, em momento Marcha das Vadias.

Diante da Prefeitura, a mãe do prefeito Márcio Lacerda foi lembrada e até Aécio Neves foi assunto do único grito de toda segunda-feira que não teve rima: “Ei, Aécio, vai cheirar pó!”. Como dizia outro poeta mineiro, uma rima não é uma solução.

*Victor da Rosa, 28 anos, é doutorando em Literatura pela UFSC e escreve às segundas-feiras no caderno Variedades do Diário Catarinense. Atualmente mora em Belo Horizonte.

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