Acostumado a conviver com a violência urbana, o Rio de Janeiro despertou de um estado letárgico na quarta-feira à noite. Viu suas ruas tomadas por milhares de pessoas em clamor por justiça durante ato de reação ao incontrolável, motivados por um lema: “eu sou porque nós somos”. Dona dessa frase, a vereadora Marielle Franco, 38 anos, foi morta com quatro tiros na cabeça e levou uma multidão a um grito literal de sobrevivência.

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Quinta mais votada nas eleições de 2016, a mulher negra vinda do Complexo da Maré, um dos maiores da capital fluminense, morreu pouco depois de sair de um evento em que discutia as condições das mulheres. O motorista Anderson Pedro Gomes, que dirigia o Agile onde estava também uma assessora, foi atingido e não resistiu. A terceira ocupante do carro teve ferimentos leves.

A noite de quarta era típicamente carioca. Calor, movimento nas ruas e jogo do Flamengo na televisão. Mas a notícia da morte de Marielle rompeu a rotina. Deixou a cidade assustada, mesmo para quem o crime costuma ser notícia corriqueira.

Na manhã de quarta, a foto dela estampava os principais jornais nas bancas. Poucas pessoas não falavam sobre isso. Na região central, uma vigília começou logo cedo em frente à Câmara de Vereadores. Sob um calor próximo dos 40°C, os corpos chegaram carregados por amigos e familiares para uma cerimônia fechada dentro do Legislativo, onde Marielle era conhecida pelo perfil combativo contra a truculência policial. O enterro, restrito, foi à tarde, com o caixão fechado, em função dos ferimentos no rosto da vítima.

Ilimitado, porém, foi o ato que tomou as ruas do Centro até o fim da noite. Os organizadores não contabilizaram, até porque o importante ali era o momento, a energia, a possibilidade de ver uma cidade diferente daqui para a frente. Durante dois trajetos de passeata entre a Cinelândia e Assembleia Legislativa (Alerj) os milhares pediam por justiça, gritavam pelo fim da Polícia Militar, ordenavam a saída do prefeito Marcelo Crivella, do governador Luiz Fernando Pezão e do presidente Michel Temer. As mulheres, maioria no movimento, puxavam a fila antes capitaneada pela vereadora da Maré. Maria Soares, de 94 anos, resumiu:

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– Enquanto a gente tiver força, tem que lutar.

O ato em frente à Alerj ocupou toda a escadaria e as ruas da região do Largo do Paço. Dezenas de pessoas discursaram. Entre elas, Marcelo Freixo, candidato a prefeito do Rio na última eleição e um dos principais representantes do PSOL no país. Marielle foi assessora parlamentar dele.

– Não vou descansar enquanto não descobrir quem matou Marielle – prometeu, no discurso.

Deputado federal pelo PSOL, Chico Alencar estava visivelmente abatido, e desabafou:

– Foi uma execução, ela precisa ser investigada e não entrar dentro dos 80% das mortes que não tem resolução no Brasil.

Para o presidente da ONG Rio de Paz, Antonio Costa, o crime é emblemático:

– Foram tiros que, além de atingirem a Marielle, acertaram todos os valores que ela representava. Esse momento demanda resposta enérgica do poder público.

Durante todo o dia, no Centro, os nomes de Marielle e Anderson eram entoados seguidos de uma resposta de familiares, amigos ou simpatizantes: “presente, agora e sempre”. A quinta-feira, 15 de março, ficará marcada na história do Rio. Resta saber se pela mudança ou pela continuidade de um cenário assustador.

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