Ana Paula Alminhana Maciel passou a infância juntando cachorros maltratados e famintos pela rua. No grosso álbum de fotos que a mãe folheia sobre a mesa da sala, é fácil perceber um amor pelos bichos resistente aos anos: a guriazinha de cabelo encaracolado vai crescendo e, no conjunto de registros de festas de aniversário, férias e passeios de escola, ela volta e meia aparece agarrada a um cusco. Trazia-os para casa, no bairro Camaquã, em Porto Alegre, e apelava:

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– Ai, coitadinhos. Vamos cuidar.

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Rosangela Maciel, 56 anos, cedia. Diverte-se ao lembrar que a filha de 31 anos, hoje um dos rostos mais conhecidos do Greenpeace devido às manifestações pela libertação dos 30 ativistas presos na Rússia, nunca se interessou em adotar os de raça, apenas os “judiados”.

Improvisado a partir da compaixão de Ana Paula, o minizoo doméstico era sortido: a família tinha gato, passarinho, peixe, tartaruga, escorpião, rato. Uns morriam e outros já chegavam, lembra a irmã, Telma, 32 anos, e logo as ninhadas multiplicavam a turma. Parecia óbvia a carreira profissional a ser seguida no futuro, mas uma reflexão lúcida, aos 10 anos, clareou os propósitos da caçula:

– Eu não posso ser veterinária. Veterinário só cuida dos animais, e eu preciso cuidar do mundo.

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Ana Paula estava entre os 28 militantes e dois jornalistas a bordo do Arctic Sunrise, em ação contra uma plataforma petrolífera da Gazprom, no Mar de Pechora, no Ártico. Acusados de pirataria, estão encarcerados na região de Murmansk e podem ser condenados a cumprir pena de até 15 anos. Com dificuldade para pronunciar o nome da cidade russa, a mãe revela que não quis conferir a localização no mapa.

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– Só em pensar que o fuso horário é de sete horas, já tenho uma base que é longe – comenta a motorista de van escolar.

Enquanto aguarda o primeiro telefonema da bióloga, para o qual não ensaia texto algum pois suspeita que o choro impedirá qualquer palavra, Rosangela relembra a trajetória da moradora mais inquieta do apartamento na Cavalhada, zona sul da Capital, onde vivem também Telma e a filha, Alessandra, 17 anos. Dorme com dois telefones ao lado da cama e calcula ter dado mais de 40 entrevistas.

– O Greenpeace era o sonho dela. Ensinei aos meus três filhos que eles eram do mundo. Fizessem o que fizessem, eu estaria aqui esperando – afirma Rosangela, confiante na libertação.

A porto-alegrense entrou para a organização em 2006. Levada pela mãe ao Cais do Porto, conheceu então o mesmo navio onde estava no momento da detenção, no mês passado. Trancou a faculdade de Ciências Biológicas na Ulbra e partiu como voluntária em uma expedição pela costa brasileira, driblando imediatamente o principal obstáculo.

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– Ela não falava uma palavra em inglês, não falava “hello”, e conquistou a tripulação – conta o amigo Fabiano Riffatti, fotógrafo de 36 anos.

Seguiram-se outras aventuras. Em junho daquele ano, um susto: Ana Paula foi detida por 36 horas em São Cristóvão, no Caribe, em um protesto em defesa das baleias. Atualmente, a marinheira alterna períodos de trabalho e férias de três meses cada.

Nas missões, os chamados deck hands, além de se engajar nas campanhas pelo ambiente, são multitarefas dentro da embarcação: formam uma pequena comunidade que atua na limpeza, na segurança e em pesquisas científicas.

Quando está em Porto Alegre, a bióloga é auxiliar de uma clínica veterinária. Vai à feira com a mãe toda quarta, quando insiste para que escolha as frutas e os legumes mais “caídos”, “feios”, “pisadinhos”, sem o vigor proporcionado pelos agrotóxicos. Aproveita para uma breve lição contra o preconceito: “Todo feio tem o direito de ser escolhido”.

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– Sei que a causa é nobre, mas tenho que contar até três para não brigar com ela – admite Rosangela, rindo.

Ana Paula tenta modificar os hábitos da casa e até os de quem nem conhece, condenando o desperdício de plástico. Aborda empacotadores no supermercado e também os clientes que pedem sacolas extras para usar como saco de lixo. Familiares afirmam que encontrou a medida para não importunar: defende os ideais sem ser invasiva.

Gosta de reunir a família para churrascos na casa da avó Ignez e de sair para um chope na Cidade Baixa ou no Mercado Público. Afora a numerosa coleção de brincos de pena, madeira e sementes, não se detém na vaidade. Sonha morar na zona rural e não quer ter filhos. Característica evidente desde a infância, o destemor que acabava por provocar tombos e machucados se provou útil na carreira de defensora da natureza.

– Parece que ela ficou com a emoção, e eu, com a razão. Ficava tão preocupada cuidando dela que nem brincava. Às vezes, preciso que ela me estimule emocionalmente: “Vai, arrisca, faz, vai ser feliz”. E eu a aconselho, em alguns casos, para ser mais racional – explica Telma.

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Pelo mundo, a vida itinerante despertou afetos. Ana Paula foi casada por quatro anos com um ativista italiano, estabelecendo-se em Portugal. Está namorando o mergulhador mexicano Miguel Angel Argüelles, voluntário do Greenpeace de 38 anos, desde 2012. De Cozumel, onde mora, Argüelles confidencia que tem enviado mensagens à companheira todos os dias, mesmo ciente de que ela está incomunicável.

“Dou graças por ter uma mulher tão linda, risonha, inteligente e de convicções bem postas. Que sortudo sou por poder amá-la e me permitir que a ame. Imagino, às vezes, que você tem lido meus e-mails, e em outras penso que vão chegar todos juntos e você vai se surpreender com a quantidade. Seguirei mandando. Você é meu pequeno grão de areia. Te amo, te amo e te amo”, escreveu ele na semana passada.

– Tenho certeza de que tudo vai dar certo. Sei que ela não cometeu nenhum crime. Eu teria feito o mesmo – assegura.