Um ano atrás, Kumi Naidoo, primeiro africano a dirigir o Greenpeace, acorrentou-se à âncora da embarcação que levaria materiais à plataforma da companhia russa Gazprom no Mar de Pechora, impedindo o início da perfuração para exploração de petróleo no Ártico. Com colegas, escalou a plataforma e exibiu faixas contra a atividade – e voltou para casa.
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Um ano depois, no mesmo local, a organização repetiu o protesto sem Naidoo, com desfecho diferente. Os 30 tripulantes do navio – entre eles, a bióloga brasileira Ana Paula Maciel – foram presos na região de Murmansk e acusados de pirataria. Parte do grupo está em condições que violam os direitos humanos, segundo denunciaram na segunda-feira os advogados de defesa.
Naidoo, 48 anos, nasceu em Durban, na África do Sul, e na adolescência lutou contra o apartheid. Foi preso em 1986 e exilou-se na Grã-Bretanha, onde fez doutorado em sociologia política. Nos anos 1990, com a democratização, voltou a seu país.
Desde 2009, quando assumiu a função, o Greenpeace International liderou campanhas que alteraram o comportamento de grandes multinacionais. Agora, corre contra o tempo para tentar minimizar os estragos ao Ártico.
Naidoo conversou nesta segunda-feira por telefone com Zero Hora e contou por que o grupo foi surpreendido pela reação das autoridades russas a um protesto não violento.
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Zero Hora – O que está acontecendo no Ártico e quais são os objetivos dessa campanha?
Kumi Naidoo – O Ártico serve como um refrigerador do planeta. O gelo reflete o sol de volta para a atmosfera e, por conta da queima de combustíveis, nos meses de verão, o Ártico está virtualmente desaparecendo. A destruição do Ártico levará cada vez mais rápido a uma catastrófica mudança climática. É o maior desafio ambiental de todos os tempos. Explorar petróleo no Ártico é muito perigoso. Se ocorrer um vazamento no campo onde protestamos (Prirazlomnoye, no Mar de Pechora), será virtualmente impossível limpá-lo, com consequências devastadoras. Se olharmos o que foi feito com a Antártica, há mais de 20 anos, tratando a Antártica como um bem comum, dedicado à pesquisa, pode-se dizer que essa decisão também tem um papel importante no equilíbrio climático. Queremos um tratado similar para o Ártico, como uma área sem atividade industrial, sem pesca industrial, sem perfuração por petróleo. O Ártico deve ser uma área protegida como a Antártica.
ZH – No ano passado, você escalou a mesma plataforma. Por que o Greenpeace repetiu a ação?
Naidoo – No ano passado, a ação foi bem-sucedido. Conseguimos escalar a plataforma e fazê-los parar as atividades. Depois que saímos – estivemos lá por sete dias – eles anunciaram a suspensão do início das operações por um ano, o que foi um sucesso para nós. Esta plataforma de petróleo em especial é a primeira da Gazprom a ser instalada longe da costa. A Shell está tentando no Alasca, a Grã-Bretanha está tentando na Groenlândia, há muita prospecção e pesquisa, mas não há perfuração, então esta seria a primeira perfuração no Ártico. No ano passado, nos três primeiros dias da ação, a Guarda Costeira não estava lá. Depois, eles chegaram e continuamos nossa ação, incluindo um protesto para parar o fornecimento de materiais para a plataforma. A Guarda Costeira estava lá, não fez nada. Inclusive, o capitão da plataforma xingava o capitão da guarda costeira dizendo: “Prenda-os!”, e a guarda costeira disse algo como: “Moscou nos disse apenas para observar”. Ao fim, avisamos que estávamos deixando o local, e ninguém foi preso. Tivemos um momento difícil quando os seguranças da Gazprom tentaram nos retirar com jatos d’água, mas não houve um ataque da Guarda Costeira. Por isso, foi uma surpresa ver tamanha mudança de abordagem.
ZH – A tripulação sabia que podia enfrentar alguma acusação antes de seguir com a ação?
Naidoo – Antes das ações, sempre estudamos as implicações legais. Nem em sonho cogitávamos uma acusação de pirataria. Como obviamente não somos piratas, não contávamos com acusações de pirataria. Essa acusação é única – para ser um pirata, você precisa estar armado. E não estávamos armados. Piratas são geralmente vilões, nós advogamos pela paz. Não há ganho pessoal para nenhum dos ativistas – nosso interesse é público.
ZH – E outras acusações, como invasão de propriedade?
Naidoo – Sim, porque, quando chegamos perto da plataforma, havíamos entrado em uma zona de exclusão econômica, e isso poderia configurar uma acusação de invasão. Não pirataria.
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ZH – Por que a brasileira Ana Paula Maciel estava no protesto?
Naidoo – Como bióloga, ela tem um conhecimento muito profundo do que acontece no Ártico. Ana foi recrutada com muito entusiasmo. Sempre tentamos assegurar que nossos navios representem diversidade global, por isso há pessoas de mais de 18 países.
ZH – Qual a estratégia agora?
Naidoo – Sustentamos e o governo da Holanda (que acionou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar contra a Rússia) também sustenta, que estávamos em águas internacionais e que a ocupação e a retenção do navio é ilegal. Não queremos dizer exatamente o que faremos, mas, basicamente, nosso plano é assegurar aos ativistas a melhor defesa possível. Amanhã (nesta terça-feira), vamos de novo à corte apelar da decisão que nos impediu de pagar fiança para responder em liberdade.
ZH – Qual a situação dos presos?
Naidoo – É uma situação muito difícil. Estão separados em quatro prisões, sendo que um grupo está em uma prisão a 150 quilômetros de Murmansk. Alguns estão em celas aquecidas, enquanto outros estão em celas extremamente frias. Amanhã (nesta terça-feira) entraremos com uma ação legal na Corte Europeia de Direitos Humanos por conta dessas condições.
ZH – Qual é a ação esperada de países como o Brasil?
Naidoo – Fazemos um apelo à presidente Dilma para contatar o presidente Vladimir Putin. Esperamos que o Brasil também apoie o governo holandês no processo de arbitragem. Também dizemos ao Brasil e a outros países que estamos correndo contra o tempo em relação às mudanças climáticas e esperamos que a liderança brasileira, para além da detenção da ativista brasileira, defenda o Ártico assim como a Antártica.
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ZH – Que impacto a reação russa pode ter em futuras ações?
Naidoo – A reação russa foi para nos silenciar e nos assustar. Mas o que tenho ouvido de voluntários e ativistas do Greenpeace pelo mundo é que isso aumentou suas motivações, sua paixão para fazer o que pudermos para conscientizar a população sobre o Ártico. Diria que a experiência nos tornou mais determinados do que antes, apesar do propósito russo de nos intimidar e nos assustar.
ZH – Na semana passada, uma enquete na Rússia mostrou que a maioria da população apoia o manejo da situação dos ativistas pela Justiça. O que explicaria isso?
Naidoo – É muito simples. A própria Gazprom é proprietária de grande parte da mídia russa e grande parte da mídia é controlada pelo Estado. A mídia independente é muito pequena. Na verdade, o fato de que 38% da população dá aos ativistas o benefício da dúvida ou os apoia, mesmo com os ataques que eles têm sofrido da mídia, é muito incrível. Mas não é surpresa que muitas pessoas na Rússia pensem que o que a Justiça está fazendo é uma coisa boa, dado o controle da Gazprom e do Estado na imprensa.
ZH – A Rússia teria dado “um tiro no pé” , pela visibilidade à ação?
Naidoo – Queremos e precisamos que o governo e o povo da Rússia sejam nossos parceiros ao se pronunciar sobre as mudanças climáticas. Esperamos que a Justiça russa reveja suas posições, que o governo repense suas ações sobre o clima e sobre o Ártico. Não queremos nos envolver em uma luta improdutiva. Queremos que o governo russo seja um parceiro. E sejamos claros, o governo russo não é o único a bater pé sobre as questões climáticas. O governo americano, o canadense também o fazem. E a luta não é apenas contra a Gazprom, é também contra a Shell, que planeja perfurar no Ártico americano – ação que foi suspensa este ano, mas que deve voltar no ano que vem – e lutaremos contra isso tanto quanto nesta vez. Qualquer companhia que tente perfurar no Ártico vai ter de lidar conosco. Mas, se o governo age com essa desproporção e força, isso cria uma discussão global que apoia nossos esforços para informar a população em vez de apoiar as empresas e partidos envolvidos na extração de petróleo no Ártico, que não querem exposição pública.
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