O grave acidente envolvendo quatro motos que matou três pessoas esta semana, em Itajaí, fez pais do Estado inteiro se colocarem na posição dos responsáveis pelo adolescente de 16 anos, que pegou uma moto escondida para trafegar pela SC-486. Especialistas discordam sobre a necessidade de esconder as chaves de um filho ansioso para botar as mãos na direção, mas garantem: não há vantagens em acelerar esta etapa da vida deles ou ensiná-los a dirigir antes da hora.
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O caso não é isolado. Somente em rodovias estaduais de SC, foram 110 acidentes causados por menores na direção nos últimos 12 meses, segundo informações da Polícia Rodoviária Militar (PMRv). É uma parte pequena (cerca de 0,58%) do total registrado, mas o número assusta. Dentro do perímetro urbano de Blumenau, foram 55 acidentes desde o começo de 2014 até hoje. Já na Grande Florianópolis, segundo a PM, foram 62 ocorrências, com variadas gravidades.
Na última Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), realizada em 2012, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificou que cerca de 27% dos jovens brasileiros entre 14 e 16 anos haviam conduzido algum veículo automotor nos 30 dias que antecediam a pesquisa. Entre os adolescentes do sexo masculino, este número ultrapassou 38%. O levantamento identificou ainda que, em Florianópolis, 21% dos menores de idade haviam dirigido no mês anterior.
Embora essa seja uma prática comum, a legislação de trânsito proíbe ensinar o filho a dirigir por conta própria – mesmo que em vias de pouco movimento,
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Hoje, os pais já podem ser responsabilizados por irregularidades cometidas pelos filhos no âmbito civil, mas não penalmente. Um menor detido conduzindo um carro acarreta na mesma punição que um maior de idade flagrado sem carteira ou sem documentos: o veículo é guinchado e o proprietário, multado. Já em casos de acidentes, os pais ou responsáveis deverão pagar pelos danos ao patrimônio público e à propriedade privada, por exemplo. Quando há morte, muitas vezes são condenados a pagar uma pensão às vítimas, sendo que ao menor será aplicada medida socioeducativa na esfera criminal.
Pais devem frear vontade precoce
Para Antônio de Arruda Lima, presidente da Comissão de Transportes e Mobilidade Urbana da OAB/SC, é preciso que os pais reflitam se há necessidade de apressar o gosto pelo transporte individual em um momento de reflexão global sobre a mobilidade urbana e transportes coletivos.
Já o presidente do Movimento Nacional de Educação no Trânsito (Monatran), Roberto Bentes de Sá, defende punições mais rígidas aos responsáveis. Para ele, é obrigação dos mais velhos não incentivarem, permitirem ou legitimarem que adolescentes assumam o volante, mesmo que de brincadeira ou para aprendizado. Ele acredita que um erro comum dos pais é deixar os menores de idade tomarem gosto pela direção.
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João Pedro pretendia estudar mecânica
“Meu filho era um anjo que nem tinha começado a viver ainda”. Foram essas as palavras escolhidas pela auxiliar de serviços gerais, Lorete Mafra da Silva, 48 anos, para descrever o filho João Pedro da Silva, 16 anos.
João Pedro sonhava em ser caminhoneiro como o pai, do qual também herdou o segundo nome. Aficionado por mecânica, o adolescente costumava ajudar o pai a preparar o caminhão. Neste ano, ele tinha planos de começar a estudar mecânica no Senac, conta a mãe, com a voz embargada.
O jovem de cabelos castanhos e olhar expressivo, largou os estudos no começo do ano passado para trabalhar. Segundo uma prima, que prefere não se identificar, o adolescente trabalhou vendendo frutas e depois cimento.
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A outra paixão de João Pedro era brincar com uma cepa – moto de trilha – em um barreiro (área com vegetação e inclinações no terreno) próximo à casa em que morava com os pais e o irmão de 10 anos em Arraial dos Cunha, zona rural de Itajaí. Pelas ruas da localidade a comoção é geral:
– A gente brincava de moto, temos um grupinho “Os Sem Noção”. Aqui em casa é a oficina da galera. Ele era como um filho – disse o vizinho Gildo José Besel, 50 anos, ainda sem acreditar.
Besel conta que João Pedro entrou para o grupo no ano passado. Primeiro ele usava um quadriciclo, depois ele comprou uma Honda CG “velhinha, que vivia estragando”, recorda Gildo. O vizinho soube da morte do adolescente pelo filho.
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Projeto pede mudança na idade mínima
Aguardando parecer da Comissão de Justiça do Senado, o PLS 142 de 2013, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), propõe uma mudança na lei de trânsito para permitir que jovens entre 16 e 18 anos possam obter a carteira provisória. Segundo o texto, o “grande avanço tecnológico e a consequente globalização” têm deixado os jovens de hoje mais aptos a atividades que exijam responsabilidade.
Como exemplo dessa transformação, o projeto cita a legislação eleitoral – que hoje permite que se vote com 16 – e o crescente número de jovens que têm ingressado em universidades antes de completarem 18 anos.
O PLS está parado na comissão há um ano e sequer tem relator definido, o que indica falta de interesse no andamento.
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Entretanto, para o pedagogo Luís Carlos Paulino, consultor da Associação Brasileira de Educação de Trânsito (Abetran) e membro da Câmara Temática de Educação para o Trânsito e Cidadania do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), o projeto já esbarraria na própria constituição brasileira: como adolescentes não têm responsabilidade penal pelos seus atos, é impossível permitir que os mesmos dirijam.
– A legislação de trânsito estabelece que um dos requisitos para que alguém se habilite é ser penalmente imputável. Não que a pessoa com essa idade seja necessariamente inconsequente, mas é desolador ver uma legião de brasileiros matando e morrendo
Maioridade para dirigir
Brasil
18 anos
EUA*
14 a 18 anos
México
18 anos (16 com supervisão)
Japão
18 anos
China
18 anos
Alemanha
18 anos (17 com supervisão)
Portugal
18 anos
Gana
18 anos
Rússia
18 anos (para motos, 16 anos)
Austrália
16 a 18 anos (varia entre os Estados)
Apenas da direção de carros e motocicletas, e não ônibus, caminhões, veículos de transporte urbano ou rurais, por exemplo.
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*A idade varia entre Estados nos EUA. Em alguns, menores de 18 podem dirigir apenas acompanhados de um responsável maior de 21 anos.
Fontes: Departamento de Veículos Automotores (DMV); Auto-Europe; JapanGuide.com; Ministério dos Transportes da China; Guia para estrangeiros do site do Governo do Reino Unido; Au Pair In America; RAC.com; Russia.angloinfo; Progressive Australia.
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“Para tudo existe um momento”, diz Luis Carlos Paulino, especialista em gestão de trânsito
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Consultor requisitado em todo o país, o especialista em gestão e direito de trânsito, membro da Câmara Temática de Educação para o Trânsito e Cidadania do Contran, fala sobre como lidar com a questão:
É errado os pais ensinarem os filhos menores de idade a dirigir? Ou não há problema em fazê-lo em locais afastados?
É errado, uma vez que infringe a lei. A direção pelo aprendiz é restrita a situações em que ele esteja acompanhado por um instrutor credenciado. O aluno também deve estar formalmente autorizado a dirigir pelo Detran. O fato de ser um local de pouca movimentação não suprime a responsabilidade do autor. É importante que os pais deem bons exemplos, ensinando que, assim como defender um direito, cumprir a lei é um exercício de cidadania.
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E como controlar a ansiedade dos jovens para dirigir?
O desafio da família é gerar cidadãos preparados para o exercício pleno da cidadania e para o convívio em sociedade. É desejável que os pais possam ter um diálogo franco e aberto com os filhos, então, que tal vez por outra desligar os smartphones e refletir acerca do tempo ou outros assuntos? Questionamentos como “é imprescindível que aconteça agora?” ou “o momento é oportuno?” podem ser bem interessantes. Há que se ponderar que acontecimentos marcantes em nossas vidas são naturalmente sequenciados. Ninguém nasce falando e andando. Para tudo existe o momento apropriado, inclusive para dirigir.
Os pais devem esconder as chaves dos veículos?
Quando os pais têm necessidade de recorrer a isso, está claro que algo está fora da ordem nessa relação. O filho que não hesita em pegar a chave do carro, ainda que ela esteja sobre a mesa, pode também não hesitar em ir além e forçar a tranca do carro ou fazer uma ligação direta, por exemplo. Entretanto, caso a autoridade dos pais não exista, é válido adotar certos cuidados .
Quais medidas devem ser adotadas para evitar acidentes ligados ao desrespeito às leis?
A educação é, sem dúvida alguma, a ferramenta mais importante para a redução dos acidentes de trânsito. Em paralelo há a fiscalização, que também possui um papel pedagógico. A educação para o trânsito apenas será significativa se o indivíduo entender como imprescindíveis estes princípios morais e éticos aplicados.
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Como foi o acidente:
Após romper um cadeado e pegar a moto da mãe na noite de domingo, João Pedro da Silva, de 16 anos, dirigia pela SC-486 (rodovia Antônio Heil) quando colidiu frontalmente com a motocicleta pilotada por Bryan Raul Amorim, de 20. Ambos morreram na hora. Monike Fischer, também de 20 anos, namorava Bryan e morreu no hospital na terça-feira.
O grupo com quatro motocicletas – um casal em cada uma delas, totalizando oito passageiros – ia para Camboriú a um show da banda RPM na noite de domingo. Testemunhas relatam que João vinha realizando ultrapassagens perigosas e, após se perder na pista, conseguiu desviar da primeira moto e evitar uma colisão – mas não da segunda, onde estava o casal que morreu.Segundo a PMRv, por se tratar de um acidente envolvendo um menor de idade dirigindo, um inquérito será aberto e os pais do jovem devem responder ao processo. A Polícia Civil irá investigar as causas da colisão.