E se um dia você acordasse de manhã e não conseguisse mais mexer braços e pernas? Ou pior, se descobrisse que nunca mais seria capaz de andar? O que mudaria na sua vida?

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? Confira o trajeto do Wings For Life World Run em Florianópolis

? Conheça os atletas favoritos para vencer a Wings For Life World Run deste domingo

Para Augusto Piazza, que viveu isso há 17 anos, o sentimento é de tristeza e depressão.

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– A sensação é de perda total, o mundo desaba – afirma Augusto Piazza, que viveu isso há 17 anos. A paralisia foi consequência de uma lesão completa na medula espinhal, entre as vértebras C5 e C6, provocada por um acidente de carro no Rio Vermelho, em Florianópolis.

Na época, Augusto tinha 23 anos, era gerente de uma concessionária de veículos e fazia curso superior de administração.

Acidentes de trânsito ainda são a principal causa de lesões na medula, seguidos pelas quedas. Quando acontece o trauma, os nervos que atravessam a medula espinhal, que passa dentro das vértebras, são rompidos, interrompendo a passagem de estímulos relacionados ao movimento e sensibilidade. Além disso, começa um processo inflamatório que impede o crescimento de novos neurônios.

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O caso de Augusto foi crítico, ele ficou dois dias em coma, 22 dias em uma Unidade de Tratamento Intensivo e um total de 60 dias no Hospital Governador Celso Ramos até que pudesse começar o processo de reabilitação. Com muita dedicação à fisioterapia, seu quadro clínico foi evoluindo lentamente. Foram necessários anos para que retomasse o movimento dos braços. No entanto, o mais difícil foi reconstruir a autoestima e recuperar a qualidade de vida.

– Foi preciso um estalo. O médico que acompanhava meu tratamento foi direto: ou você fica se lamentado ou vai à luta.

Ele decidiu lutar. Um grande passo foi conseguir voltar a dirigir, o que lhe permitiu retomar os estudos. Graduou-se em administração em 2002 e passou a estudar para concursos públicos. Em 2006, foi aprovado para o cargo de auditor interno da Secretaria de Estado da Fazenda. Fez carreira e hoje é Diretor de Auditoria Geral.

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– Procuro levar a vida da forma mais normal possível. As limitações existem, a mobilidade é difícil, muitos espaços não são acessíveis, mas tento superar.

Ele continua dedicado às sessões de fisioterapia, mas hoje apenas como manutenção, para evitar doenças associadas, como úlceras na pele, infecções urinárias e osteopenia (redução da massa óssea), pois chegou no limite da recuperação.

– Meu quadro depende da ciência, de novas descobertas.

O que mudaria na vida dele se voltasse a andar?

– Voltaria a surfar. ?

Wings For Life

A Wings For Life é uma fundação sem fins lucrativos para a pesquisa em lesão na medula. Foi criada pelo austríaco bicampeão mundial de motocross Heinz Kinigadner e o fundador da Red Bull, seu compatriota Dietrich Mateschitz. Em 2003, o filho de Kinigadner sofreu um trágico acidente que o deixou tetraplégico, o que motivou o pai a entrar em contato com lideranças científicas do tema. Ele percebeu que o que faltava para o avanço dos estudos era incentivo financeiro. Com o apoio do amigo Mateschitz, fundou a Wings For Life, com a missão de encontrar a cura para a lesão na medula espinhal. ?

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Corrida pela cura

A Wings For Life World Run é uma corrida de rua que vai acontecer ao mesmo tempo em Florianópolis e outras 33 cidades espalhadas pelo mundo neste domingo, 4 de maio. Serão mais de 40 mil pessoas ao redor do planeta. A prova terá todos seus rendimentos revertidos para a fundação Wings For Life. Além disso, propõe aos participantes um desafio diferente: não haverá linha de chegada. Meia hora após a largada, um carro parte perseguindo os corredores em cada uma das localidades que recebem a corrida simultaneamente. Quando o atleta é ultrapassado pelo automóvel, a prova dele termina. Os últimos a serem alcançados, considerando os resultados de todas as sedes, serão os vencedores globais. Mesmo que você não esteja inscrito, também pode abraçar a causa e ir às ruas torcer para os corredores. ??

“Há esperança, mas é demorado” ?

Alexandre Fogaça – chefe do grupo de coluna do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) -, afirma que não existe cura na atualidade para lesões na medula, detalha o que ocorre, mas aposta que, num processo a longo prazo, possa haver avanços para o tratamento. ?

Diário Catarinense – A lesão na medula tem cura?

Alexandre Fogaça – Não. Até hoje não foi descoberta a cura da lesão na medula espinhal. É possível recuperar alguns movimentos se a lesão não for completa, diminuir a dor, oferecer equipamentos funcionais e melhorar a qualidade de vida do paciente, mas ainda é uma lesão irreversível.

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DC – Por que é tão difícil reconstruir a medula espinhal?

Fogaça – Trata-se de um tecido neurológico feito para conduzir impulsos de diversas funções. Então seria necessário reconstituir milhões de ligações para que voltasse a exercer o papel anterior à lesão, conectando cada terminação nervosa correspondente. Além disso, a medula é um ambiente inóspito, que impossibilita a regeneração do tecido danificado, já que impede o crescimento de novos neurônios, e dificulta o transplante de células-tronco.

DC – Quais as possibilidades de tratamento que tem hoje um paciente com lesão na medula espinhal?

Fogaça – São quatro principais estratégias de tratamento.

1: Em um primeiro momento, recorre-se à cirurgia para descomprimir a medula e estabilizar a coluna. Assim, aumenta-se as chances de conter a lesão, evitando que mais células nervosas ao redor sejam afetadas e preservando mais funções aos pacientes, o que melhora o prognóstico.

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2: A segunda estratégia é o uso de medicamentos. Já foi comum dar altas doses de corticoide aos pacientes, com a expectativa de que desinflamasse a lesão. Porém, depois foi constatado que a droga não era tão eficiente quanto se imaginava. Hoje há muitos estudos para se encontrar um substituto ao corticoide, que realmente funcione, mas nada foi comprovado cientificamente ainda.

3: O terceiro meio é a reabilitação física. São exercícios funcionais que estimulam músculos, articulações e terminações nervosas. No caso das lesões parciais, o trabalho físico pode ajudar na recuperação e pode permitir que o paciente fique de pé, ganhe sustentação. No caso das lesões completas, os exercícios ajudam a fortalecer a parte do corpo que passará a ser responsável pelo deslocamento e sustentação, e aliviam a tensão decorrente da posição deitada ou sentada que o deficiente físico passa a maior parte do tempo.

4: A frente mais promissora é a do tratamento biológico. É aqui que entra a utilização de células-tronco. A ideia mais pesquisada é que se crie uma ponte de células-tronco no local da medula para o desenvolvimento de novos neurônios. Foi testado em animais e teve ótimos resultados. Mas o mesmo não se repetiu em humanos.

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DC – Dá para acreditar que um dia se chegará à cura? Você tem uma previsão?

Fogaça – Há dez anos se dizia que hoje com certeza já teríamos descoberto como reverter a lesão na medula espinhal, mas as expectativas foram frustradas. Ainda não encontramos uma forma de reconstruir este tecido e não acredito que vá acontecer em um futuro próximo. Claro que tenho esperança, mas é um processo demorado. Estamos mais perto de outros avanços, como o exoesqueleto, que seria como uma armadura que sustentasse todo o corpo da pessoa e ela, ao invés de comandar os músculos, controlaria o mecanismo. Não é um tratamento, não resolve o problema, mas é uma alternativa para melhorar a mobilidade e a qualidade de vida.