Falei de centros comerciais na semana passada e nesta terça vou falar de museu. Prometo não prender o texto em questões herméticas. O monotemático das artes, e de qualquer assunto, pode ser mais insuportável do que o rato de praça de alimentação.

Continua depois da publicidade

Percebo que tem muito leitor que escolhe a Capital paulista para passar uns dias, mas não sabe o que vai fazer com seu tempo. E tem aquele que sai de uma cidade para conhecer o shopping da outra. Quem sabe, um dia queira experimentar um programa cultural. Quem sabe se surpreende com o que pode encontrar!

Está em cartaz, na Pinacoteca do Estado, uma exposição do artista William Kentridge. Seu nome pode lembrar o de um príncipe, assusta aqueles que já têm certo receio de museus. Mas um grande artista tem o poder de surpreender – até os medrosos.

É o que acontece com quase todos os que passam algumas horas entre a Estação e o Parque da Luz, onde fica a Pinacoteca do Estado. Visitar a região é algo que considero indispensável numa ida a São Paulo, e se você tiver a chance de passar lá até 10 de novembro, quando encerra essa exposição, poderá viver uma experiência.

Kentridge é um artista sul-africano, branco, que nasceu em 1955 e viveu numa África do Sul em tempos de segregação racial declarada, o Apartheid que separava pessoas conforme a cor.

Continua depois da publicidade

Sua obra abrange tanto obsessões pessoais como preocupações sociopolíticas. Estas de maneira sutil – como em desenhos sobre antigos mapas elaborados pelos ingleses – ou em imagens – sombras sobrepostas em páginas da Enciclopédia Larousse de 1906. Críticas ao colonialismo, ironias a serem decifradas e descobertas pelo público.

A retrospectiva de William Kentridge já esteve em Porto Alegre e Rio de Janeiro, mas só para a Capital paulista foi possível trazer a principal instalação, Recusa do Tempo (Refusal of Time, 2012), uma provocação sobre o que entendemos a respeito deste bem tão precioso e considerado tão escasso, o tempo.

Ao centro, uma máquina que lembra as traquitanas de Leonardo Da Vinci, uma espécie de pulmão de madeira que faz o ambiente “respirar”. Em megafones desenhados pelo artista, estrategicamente espalhados pelo local, um complexo sistema de som com música criada especialmente para a instalação.

Metrônomos expressam o tempo, também através do som. Nas paredes, um conjunto de vídeos, projeções que trafegam ao redor da sala. Você caminha pelo espaço sobre uma areia grossa e estranha o barulho de seus passos, ainda mais se forem acostumados exclusivamente aos pisos da metrópole. Esse barulho do caminhar sobre a areia deixa qualquer habitante paranoico de cidade grande “sem chão.”

Continua depois da publicidade

Você pode caminhar e ouvir essa música enquanto assiste às projeções por diferentes ângulos. Ou se sentar em uma das cadeiras e perceber o tempo – ou a recusa dele, desligando-se ou não do que acontece lá fora. Você cria a maneira de aproveitar esse tempo, como na vida.

A exposição tem outras salas com desenhos, esculturas e mais vídeos. Kentridge disse que quando era jovem aprendeu que, para ser bom em alguma coisa, precisava se especializar. Quando se tornou um especialista em desenho levou anos para desaprender a desenhar conforme a técnica. Libertar o desenho para que se transformasse em vídeo. A maturidade exigiu esse tempo e foi essa série, Desenhos para Projeção, que deu visibilidade internacional ao artista.

Alguns desses vídeos podem ser encontrados na internet. Ver no computador não se compara à experiência da sala escura no museu. Mas é uma possibilidade de conhecer a obra, na hora que você bem quiser. É um outro lado dessa recusa do tempo.