Faculdade
Quando estudava Direito na UFSC, tinha um professor que além de grande orador era muito brincalhão. Certa vez disse que nossa cidade havia mudado o conceito de ilha, que Florianópolis era “um pedacinho de terra cercado por faculdades de Direito por todos os lados”. Não vai demorar muito para que seja um pedaço de terra cercado de shoppings centers. E também não vai demorar para trazerem a faculdade de Direito para dentro do shopping – se é que isso já existe e não sei.
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Sei que no Rio tem uma dessas e que o diretor e dono da faculdade não vê como um problema, acha até uma vantagem, argumenta que os alunos podem fazer aulas práticas de Defesa do Consumidor. Um aluno, um tanto quanto subversivo, escreveu uma tese inédita, que enquadrava o sujeito shopping num artigo do Código Penal:
“Art. 148 – Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado.”
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Praia
Dizem que o shopping é a praia do paulistano. Diria que é a praia de alguns paulistanos, como é de muita gente em todo o país. E quando o shopping é a praia de quem mora em uma ilha? Complexa contradição. Acho que a mistura de luz branca, escada rolante, praça de alimentação, tudo para que você se depare com ofertas e anúncios, deturpa a ideia de lugar para passar o tempo livre. Ainda mais se a intenção é descansar.
No shopping, a liberdade do seu olhar é direcionada para vitrines. Linha do horizonte, ponto de vista, tudo converge para o mesmo motivo: compras. O cartão de crédito é a expressão máxima de liberdade, que “não tem preço”. Não é assim que diz o comercial? Aquele que passa na TV entre uma e outra notícia de violência urbana.
Seria teoria da conspiração, aliás, dizer que o noticiário prioriza esse tipo de notícia? Imagine um comercial que fosse direto ao assunto: “se for sair de casa, venha para o shopping, o resto do mundo é muito perigoso!”
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A ideia de trocar a praia ou qualquer lugar ao ar livre pelo shopping começa num inocente passeio com o carrinho do bebê. O pequeno refém sai do apartamento para a escolinha, dali para o centro comercial. A praia tem areia, o horto florestal tem mosquito e o shopping… Poxa, lá tem até estacionamento coberto.
Cinema
No filme O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, há uma sequência em que o protagonista caminha com a namorada nas ruínas do que uma vez foi um cinema de rua. A história se passa em Recife, e a cena do antigo cinema é um contraponto ao que se vê na cidade atual, cheia de empreendimentos imobiliários de alto padrão, condomínios fechados e grades.
Fiquei um bom tempo olhando para o velho Cine Ritz numa das últimas vezes que estive em Floripa. Tive o privilégio de assistir a muitos filmes ali. E.T. – O Extraterrestre, clássico de Steven Spielberg, alguns filmes dos Trapalhões. Os últimos que me recordo de ter visto naquele cinema: The Doors, de Oliver Stone, e A Firma, do Sydney Pollack, ainda no começo dos anos 1990.
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Depois o Ritz teve uma sobrevida como cinema pornô e quando vim para São Paulo era alugado por uma igreja evangélica. Agora o prédio histórico está ali, imponente e abandonado. A cidade hoje tem muitas opções perto do que tínhamos naquela época. Poucas longe de um shopping center. Isso em todo o Brasil, e teatro vai pelo mesmo caminho.
O símbolo do final dessa era em São Paulo foi o fechamento do Cine Belas Artes e, para o teatro, o fim do Imprensa. Estava em cartaz naquele teatro com a peça Doze Homens e uma Sentença, quando foi fechado. A peça ia muito bem, mas o espaço era mantido pelo banco do Grupo Silvio Santos, que ia muito mal. O teatro fechou e, mais uma vez, ficamos reféns de um shopping.