Ela é uma das principais defensora da cultura de paz no Brasil. A jornalista Coen Roshi foi ordenada monja há 35 anos, após uma vida tumultuada, que incluiu tentativa de suicídio, viagens alucinógenas com LSD e uma prisão na Suécia. Aos 71 anos é uma das líderes espirituais mais requisitadas do país. A autora do livro “O inferno somos nós: do ódio à cultura de paz”, junto com o historiador Leandro Karnal, conversou por telefone com o Diário Catarinense e falou sobre a polarização da sociedade atual, a necessidade de reaprender a conversar e como a tolerância é uma prática.

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Estamos mais intolerantes atualmente?

Tivemos épocas da história da humanidade de intolerâncias até maiores, até hoje em dia outros países são mais intolerantes do que o Brasil. Mas o momento que a gente vivendo no país é lamentável. Se nós vivemos numa democracia, você não pode ser insultado, precisa ser respeitado em suas escolhas. Conheço uma família que a mãe a filha não se falam mais, porque são de partidos diferentes. A gente pode ter pontos de vista diferentes, religiões distintas e ideias políticas diferentes, mas temos que respeitar a ideia do outro. Então realmente está tendo uma polaridade muito grande, muita gente que não falava o que pensava e agora estão falando, mas com uma violência e agressividade tão grande, que é complicado.

Então o momento exige reflexão, porque o país só funciona se tiver junto. Um graveto sozinho qualquer um quebra, mas se colocar um monte de gravetinhos juntos, nada quebra. Está na época de crescer e ser capaz de desenvolver a capacidade de respeitar o outro. E não é ficar tentando convencer o outro. Como se fosse bonito ficar brigando com o outro. Isso não é bonito, isso é feio, é insuficiente, é imaturidade do que a gente chama de inteligência espiritual. A inteligência emocional é aquela que você não vai bater em ninguém, porque você conhece suas emoções e consegue controlá-las. A inteligência espiritual é um guarda-chuva maior do que isso, é onde você se pergunta “para que vou fazer isso?” e “isso vai fazer com que a vida seja melhora todos nós?”.

Há limites para a tolerância?

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É necessário o respeito de pontos de vida opostos, desde que não violem direitos humanos. Nós só podemos ser intolerantes com a intolerância, um abusador, entre outras coisas, não podemos aceitar. Tem certas intolerâncias que a gente tem que dizer “isso não pode acontecer” e se tiver qualquer brincadeira no seu local de trabalho tem que dizer “isso eu não admito”. Não é ficar quieto, se esconder. Esse tipo de agressão não pode acontecer, tem que colocar limites, porque se achar graça é concordar. Mas se a pessoa te xingar, te ofender, deixa. A gente precisa desenvolver em nós a capacidade de não responder raiva com raiva, violência com violência.

E como fazer isso?

Não é reagir, é agir. É uma ação decisiva de transformação. E para isso muitas vezes basta parar um instantinho e respirar conscientemente. Alguém falou alguma coisa que te ofendeu? Ao invés de ofender de volta, para, respira e pensa “o que será que está acontecendo com esse ser humano?”. Temos que elevar o nível da conversa, do pensamento. Depende de cada um de nós. É como a maneira que educa filho, não é o que você fala, é o que você faz, o que está sentindo. Você tem que ser o modelo. Se você está de acordo que é insuportável viver no ódio, você tem que criar condições para que você se torne um átomo de paz. E onde quer que você vá, você vai transformar essa violência em uma não-agressão.

Isso também passa em criar empatia?

Tem que entender o outro, por que ele está agindo assim. Tem que desenvolver um coração de sabedoria e compaixão. A pessoa que não tem compaixão não serve para nada. E aquela que é boazinha e não tem sabedoria, também não serve para nada. Tem que estar combinado.

Então ser tolerante é uma prática?

É prática, é treino. Meu professor dizia para antes de falar você deve passar três vezes a língua dentro da boca e ver se o que vai falar será benéfico e levará ao crescimento e desenvolvimento de todos nós. Se for falar por falar, é melhor ficar quieto. Mas também não é engolir sapo. Quando forem coisas impróprias e que ferem o ser humano e direitos humanos eu preciso me manifestar, mas sem ódio. Mas como eu tiro o ódio do meu coração? Eu não deixo o ódio crescer em mim, isso é treinamento. É Tem que ser uma pessoa que se coloca com precisão e assertividade. Você só respeita o outro se você se respeitar a si mesmo.

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É precisa resgatar o diálogo?

Isso, hoje não tem diálogo. O diálogo é fundamental na construção de uma cultura de paz. Temos que reaprender a conversar. Diálogo significa eu ouço o outro e o compreendo. Nós podemos até discordar, mas com arte, com ternura.

Qual a raiz dessa cultura de ódio?

É o medo, a ignorância. A pessoa se sente separada. Isso vem dessa separação. A mudança de olhar tem que acontecer para sobreviver como espécie.

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