Um rojão explode a 500 metros da linha de frente do protesto, na Avenida Faria Lima, em São Paulo. Diante do estrondo, que interrompe os gritos de guerra da multidão, um coro se forma:
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– Violência, não! Violência, não!
Há gritos, faixas, multidão nas ruas na hora do rush, sinalizadores e até a explosão de alguns rojões, mas não há confronto. Um acordo pela manhã, entre a coordenação do Movimento da Passagem Livre e autoridades da Secretaria da Segurança, garante as bases para se evitar o quebra-quebra de quinta-feira passada e a truculenta ação da polícia paulista.
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Desde as 16h, a mobilização reúne pessoas de diferentes classes sociais e idades no Largo da Batata, zona oeste da cidade. Quatro jovens, que nunca haviam se visto antes, parecem antigos amigos: abraçam-se, gritam, festejam o povo nas ruas. Mariana Alves, 14 anos, matou a aula para ir ao protesto.
– Por que vocês estão aqui? – pergunto.
– Sei lá – diz ela.
Diante da insistência dos amigos para que ela fale algo com maior consistência, Mariana dispara:
– Estou aqui por tudo o que a nação aguentou até hoje.
A jovem segura um cartaz no qual está escrito, com bonita caligrafia: “Um filho teu não foge à luta”. No instante em que ela ergue a cartolina, é abraçada por René Pinheiro, estudante de Biologia, que pintou o rosto como se fosse o Coringa, o inimigo do Batman. Ele está preparado para o pior: na mochila, traz máscara e uma garrafa de vinagre.
O Largo da Batata é de todos: alguns jovens mascarados como Coringa, outros com os rostos cobertos por panos e até a famosa máscara do Anonymus. Mariana veste abrigo do colégio. Está ao lado do engravatado Bruno Belarmino, 23 anos, corretor de seguros que deixou o escritório mais cedo para participar pela primeira vez das manifestações. Em caso de confronto com a polícia, ele confia no amigo.
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– Ele tem o vinagre.
Vinagre se tornou até piada nos cartazes. A substância ameniza os efeitos do gás lacrimogêneo.
Na reunião da manhã ficou acertado que a polícia militar não usaria a tropa de choque nem balas de borracha que feriram manifestantes e jornalistas na semana passada. Em um canto da Estação Faria Lima, um rapaz distribuía máscaras, pedaços de pano e mais vinagre.
– O povo acordou – gritava, de tempos em tempos.
A impressão é de que não há coordenação. Um grupo exige que manifestantes ligados ao PSTU e PCB se retirem.
– Não é comício – seguem gritando.
Eles querem que as bandeiras sejam baixadas. Insistem tanto que os manifestantes partidários deixam o local.
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Ônibus que seguem pela avenida são parados, mas não há pichação. Em outro ponto, um grupo cerca uma equipe de televisão, que chega para fazer a cobertura do evento. A esta altura, toda a Faria Lima está fechada. A tensão cresce, até que a equipe de reportagem desiste do trabalho e vai embora.
Por volta das 17h30min, centenas de pessoas começam a caminhar rumo à Paulista. A polícia acompanha à distância. Um dos policiais faz questão de mostrar que está desarmado. Nas janelas dos prédios, alguns moradores mostram lençóis brancos. Uma mulher segura um cartaz em inglês: “Bem-vindos ao maior evento que o Brasil já teve”. Por que em inglês?
– Para o mundo ver a vergonha que foi na quinta-feira quando a polícia bateu no povo – explica.
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O operário Luciano da Rocha foi pego de surpresa na parada de ônibus da Faria Lima. Lamenta o atraso pra ir para casa, mas mostra-se resignado.
– Hoje, vou levar quatro horas para chegar. E amanhã tenho de voltar às 6h – diz.
Na esquina da Faria Lima com a Europa, a multidão se divide: um grupo toma a frente, segue para a Marginal Pinheiros; outro sobe a Europa em direção à Paulista. Na quinta-feira, a polícia evitou que eles tomassem o local. Hoje, não. A principal avenida do Brasil é o principal troféu dos manifestantes.
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