Apesar de faltar poucos dias para a desocupação do terreno invadido na SC-401, o clima era de normalidade na manhã de quinta-feira na Ocupação Amarildo de Souza. Cenário bem diferente do dia anterior, quando os moradores fecharam a rodovia por quatro vezes ao longo do dia com troncos de árvores, barracas e colchões e outro grupo ocupou a Assembleia Legistaliva.
Continua depois da publicidade
As crianças estavam na escola e o movimento era tranquilo entre os moradores presentes no local. As instalações elétricas e as caixas d’água funcionavam normalmente, e alguns homens trabalhavam na construção de um portão para pedestres ao lado da porteira principal. Na cabana da guarita próxima a entrada, o líder Rui Fernando conversou com a reportagem.
DC – O acordo de desocupação no dia 15 de abril será cumprido?
Rui Fernando – Será cumprido, mas vamos resistir até o último momento. A resistência existe de várias formas. Nós não vamos para o enfrentamento com a Polícia, não vamos submeter ou expor as famílias a possibilidade de violência policial. A forma de resistência que a gente se refere é política, e jurídica também. Nós ingressamos com uma ação anulatório contra o processo, e esperamos que nas próximas horas a gente possa se manifestar a respeito. O ponto central dessa ação é o fato de uma das partes ser ilegítima. Já entramos também com uma representação no Ministério Público Federal alegando a inelegibilidade da outra parte no processo, e acredito, que eles devem se manifestar logo, possivelmente com uma ação civil pública.
Continua depois da publicidade
DC – Mas o juiz agrário Rafael Sandi já deixou claro que o acordo e inadiável e irrevogável…
Rui Fernando – A gente confia no juiz Rafael Sandi. Nós precisamos de uma instância como a Justiça Agrária para mediar os conflitos que agora não são mais só no campo, também na cidade e tem a mesma natureza, ou seja, a disputa de terras. Por este motivo cumpriremos o acordo, não só pela coerência que mantemos na relação com o juiz, mas principalmente por entender que Justiça Agrária é uma instância do judiciário catarinense que deve ser mantida como mediadora deste tipo de conflito.
DC – A saída no dia 15 de abril vai ser de que forma?
Rui Fernando – A gente espera que a Polícia nem venha. Está prevista a visita do juiz agrário na segunda-feira, nós esperamos que até lá que as coisas aqui internamente já possam estar mais adiantadas, no sentido do cumprimento do acordo. Então, se tudo ocorrer dentro das nossas expectativas, eu acredito que vai ser desnecessária a presença da Polícia Militar no dia 15.
Continua depois da publicidade
DC – Alguma família já saiu?
Rui Fernando – Ainda não, pelo contrário. Os protestos na quarta-feira foram uma demonstração da indignação que as pessoas estão sentindo aqui dentro, de estarem vivendo uma situação que foi colocada a respeito de suas próprias vidas Durante toda a ocupação houve momentos de pico, de baixa e uma estabilidade. Claro que nesse período das últimas semanas houve algumas saídas em função da falta de compreensão da situação, mas posso dizer que o número é inexpressivo.
DC – Domingo vocês terão a última assembleia dentro da ocupação Amarildo de Souza. O que será conversado?
Rui Fernando – Todos os domingos a gente faz assembleias, justamente para o planejamento das ações da semana seguinte e avaliação da semana que passou. Este domingo será do mesmo modo, mas garanto que não será a última assembleia dos amarildos.
Continua depois da publicidade
DC- Existe a possibilidade de vocês ocuparem outro local?
Rui Fernando: Olha, a gente trabalha com todas as possibilidades, isso está dentro do quadro de resistência, mas não tem como adiantar nada. É mais um elemento da luta, não está descartado mas não é prioridade nesse momento. A prioridade é reverter o processo para não ter essa ameaça do despejo na terça.
DC – Pra onde as famílias vão na terça-feira?
Rui Fernando: É uma pergunta um pouco difícil de ser respondida. As famílias realmente não tem pra onde ir. Ela moram aqui faz 4 meses. Aqueles que antes pagavam aluguel ou viviam de favor, já não tem mais essa condição. Com base nisso também, a gente espera que outros órgãos se manifestem. Nós decidiremos juntos os próximos passos, e a gente quer preservar, acima de tudo, a organização dessas famílias. O grupo não vai se diluir, nós tivemos um acordo independente dessa reintegração de posse de terça.
Durante esse processo de luta da Ocupação Amarildo, nós podemos afirmar com tranquilidade que estamos acumulando vitórias. A primeira vitória delas foi ter tirado as famílias da periferia, independente da situação material de vida não estar muito diferente. A vida na periferia é muito pior que a vida na ocupação. Aqui nós temos segurança 24 horas, enfim é um ambiente que a gente tenta construir. A vida na periferia, morros e favelas, tem um conjunto de coisas que não são só questões econômicas, sociais. Violência e drogas, por exemplo, não tem na Ocupação.
Continua depois da publicidade
A segunda vitória de toda a população de Florianópolis foi ter feito a denúncia e comprovado que toda essa terra pertencia ao povo, pertence a união e tinha sido grilada por empresários da cidade. E a população de Florianópolis, quando perguntada sobre qual a opinião sobre a Ocupação, tem que levar isso em consideração. Essa terra estava perdida para a população da cidade e do Brasil. A terceira vitória é o posicionamento do INCRA e da Prefeitura de Florianópolis, que já falou, mas não oficialmente, que não se opõe a possibilidade da criação de um assentamento Casulo no local, com moradias popular, uma escola, uma área de lazer, que vai beneficiar toda a população do entorno. Então, imagina para as famílias, a possiblidade de produzir seu alimento, vender o excedente, e com uma produção agroecológica e coletiva, que são duas bandeiras nossas.
DC – Ontem vocês passaram o dia na Assembleia. Houve alguma reunião, decisão?
Rui Fernando: Na realidade foi iniciada uma articulação para tentar abrir um canal de negociação com o governo estadual, que até agora, nos parece que se isenta de qualquer responsabilidade. A gente entende que nesse momento da luta, onde está colocado a reintegração de posse, e que isso implica num risco para as vidas, e além do risco de integridade física, diz respeito a vida dessas pessoas a partir do dia 15. Onde elas vão morar, e a escola das crianças?
Muitos moradores também fazem tratamento no Posto de Saúde em Ratones. São vários fatores da vida das pessoas que dizem respeito o Governo tem que se manifestar, apontar alguma solução. O que não pode é o Governo se manifestar simplesmente com uma das suas atribuições que é a força policial. Em nenhum momento foi nos dado alguma alternativa.
Continua depois da publicidade
Leia também:
>> Ocupantes do acampamento Amarildo de Souza realizam passeata na Beira Mar Norte, em Florianópolis
>> Polícia Militar delimita área da Ocupação Amarildo de Souza, na SC-401, em Florianópolis
>> Proibida a entrada de novas pessoas na ocupação da SC-401